A reticência da retomada do investimento na economia brasileira e o aumento do déficit comercial nos últimos anos têm destacado a necessidade de se recuperar a competitividade da indústria local a fim de se criar os fundamentos de um novo ciclo de crescimento. Em um cenário de recuperação da competitividade industrial, os fundamentos deste novo ciclo poderiam estar ancorados tanto na contenção do déficit comercial quanto no aumento do investimento com intuito de ampliar a capacidade produtiva de modo a atender a demanda doméstica - a qual tem se deslocado gradativamente para o exterior.
Apesar de inúmeros economistas enfatizarem a centralidade da indústria para a recuperação do crescimento brasileiro e de haver um consenso acerca de sua baixa competitividade, observa-se um conjunto heterogêneo de propostas para se enfrentar tal deficiência. Dentre as mais influentes encontra-se a tese de que na última década teria havido um descompasso entre o crescimento do salário real e o aumento da produtividade no setor.
A participação dos gastos com pessoal nos custos industriais em 2010 era de 13,9%, a mesma de 2000
Segundo esta interpretação, o aumento do salário real acima da produtividade teria reduzido o potencial de acumulação de capital na indústria. Este fato, por sua vez, teria restringido a capacidade de investimento do setor e, assim, comprometido seu potencial de crescimento de longo prazo. Deste modo, o incremento da competitividade da indústria local teria como um dos pré-requisitos a limitação do crescimento do salário real a patamares inferiores ao ritmo de expansão da produtividade.
No entanto, ao contrário do que afirma esta linha de argumentação, em primeiro lugar vale observar que os dados da PIA/IBGE mostram que não tem se observado uma redução do potencial de acumulação da indústria local no período entre 2000 e 2010 (último ano para o qual há dados disponíveis para as variáveis analisadas neste artigo). Neste período, para empresas com 30 ou mais pessoas ocupadas, observa-se um aumento substancial da massa de lucro e a não deterioração de indicadores que levam em consideração o percentual do lucro em relação ao valor da transformação industrial (VTI), à receita e ao ativo (vide gráfico).
Em segundo lugar, observa-se que os momentos em que há uma deterioração dos indicadores e inclusive uma queda da massa de lucros industriais não são aqueles caracterizados por aumentos exponenciais do salário real, mas sim por baixo crescimento econômico e principalmente por grandes desvalorizações da moeda local, como em 2002 e 2008. Estas desvalorizações, por sua vez, contribuiriam para o aumento não desprezível dos custos industriais, dado o viés crescentemente maquilador do parque produtivo doméstico.
Não obstante, quando se observa o comportamento dos salários em relação aos custos e aos lucros industriais, também não é possível afirmar que o crescimento dos salários reais tem reduzido o potencial de acumulação e de investimento da indústria nacional. Isso porque, ainda segundo a PIA/IBGE, para empresas com 30 ou mais pessoas ocupadas, a participação dos gastos com pessoal (os quais incluem outros gastos além dos salários) nos custos industriais em 2010 encontrava-se exatamente no mesmo patamar que em 2000 - 13,9%.
Adicionalmente, ao contrário do que sugerem algumas interpretações em destaque no debate econômico atual, entre 2000 e 2010 não se observou um aumento da participação dos gastos com pessoal em relação ao lucro das empresas industriais brasileiras. O que se verifica é que em 2010 os gastos com pessoal representavam cerca de 120% do lucro destas, enquanto que em 2000 e 2001 estes valores eram bastante superiores, de 273% e 318% respectivamente.
Em síntese, os indicadores refutam a tese de que o aumento do salário real acima da produtividade tenha se configurado como um dos principais elementos para a erosão da competitividade da indústria brasileira. Deste modo, parece-me que a retomada da competitividade desta, em um cenário de acirramento da concorrência global e de consolidação da China como a nova 'Fábrica do Mundo', não deve se fundamentar em medidas que circunscrevam tal problema à redução do ritmo de crescimento do salário real.
De maneira mais ampla, tais medidas deveriam se basear na compreensão de que parcela importante das deficiências da indústria brasileira tem como fundamentos estruturais elementos como o baixo nível de institucionalização das rotinas operacionais e inovativas, a baixa intensidade de capital por trabalhador (a qual se reduziu para a maior parte dos setores entre 2000 e 2010, devido ao crescente viés maquilador assumido pela indústria local) e principalmente a baixa participação na estrutura produtiva doméstica de setores com elevada produtividade, característicos do paradigma da 3ª Revolução Industrial.
Antônio Carlos Diegues é doutor em economia pela Unicamp e professor adjunto do Departamento de Economia da Universidade Federal de São Carlos.
Fonte: Valor Econômico/Antônio Carlos Diegues
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