A vara de apelação do Tribunal Federal Penal da Suíça considerou irregular o procedimento da procuradoria do país que enviou ao Brasil documentos que comprovariam remessas de recursos desviados da Petrobras a contas de offshores controladas pelo Grupo Odebrecht. A corte mandou o Ministério Público daquele país dar início a acordo de cooperação jurídica internacional dentro do rito legal estabelecido com o Brasil.
No entanto, a Justiça suíça não solicitou a devolução dos papéis, segundo despacho do juiz federal Sergio Moro. O material é parte significativa da acusação da Operação Lava-Jato contra réus do Grupo Odebrecht.
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O titular das ações penais do caso na primeira instância avaliou que a decisão da corte suíça "aparentemente" não invalida o uso das provas juntadas ao processo a que investigados ligados à Odebrecht respondem por corrupção, lavagem de dinheiro e organização criminosa. Eventual anulação de evidências de lavagem poderia esvaziar a acusação da fase "Erga Omnes" da Lava-Jato, desferida sobre Odebrecht e Andrade Gutierrez em 19 de junho do ano passado e que levou à prisão do empresário Marcelo Odebrecht.
Moro determinou ontem a suspensão do prazo de alegações finais [última etapa antes da sentença] para a defesa dos réus e estabeleceu prazo de três dias para o Ministério Público Federal (MPF) apresentar "cópia dos pedidos de cooperação ativo aos quais se reporta a decisão da corte na Suíça ou outros documentos que possam ser relevantes para decisão da questão em foco".
De acordo com o magistrado, o judiciário suíço negou à Havinsur, offshore da Odebrecht, o pedido para que os documentos não fossem utilizados no Brasil.
"Não há, em princípio, decisão daquela corte solicitando a devolução dos documentos ou impedindo a sua utilização no Brasil".
Na avaliação da advogada Dora Cavalcanti, que defende o ex-executivo da Odebrecht Marcio Faria, a decisão da Suíça, por ora provisória, "pode mudar todo o caso".
Para a criminalista, a Justiça suíça "concluiu que não se pode enviar documentos bancários de forma excessiva. Havia documentos na [carta] rogatória [pedido da Suíça para tomar depoimentos] que não poderiam estar lá".
Segundo Dora, "o envio de documentos para o Brasil é considerado ilegal pelo menos até que o novo procedimento de cooperação seja iniciado e finalizado", diz.
"Na prática, é como uma prova obtida ilicitamente", compara.
A advogada nega que a defesa esteja focada em detalhes processuais para evitar a questão central apontada pela Lava-Jato: que empresas ligadas à Odebrecht pagaram propinas milionárias de quase US$ 14 milhões a diretores e funcionários da Petrobras no exterior, segundo o MPF e órgãos da Suíça.
"O meu cliente nem tinha ouvido falar dessas empresas [offshores]. Ele nunca determinou que se fizesse pagamentos fora do país. Para a gente refutar é óbvio que preciso saber o que foi tido, como foi obtido. Você precisa saber se a prova é válida ou não para depois se pronunciar a respeito", alega.
Para a força-tarefa do Ministério Público Federal (MPF) em Curitiba, base da Lava-Jato, a decisão da corte suíça não deverá interferir nos processos penais decorrentes da operação em curso no Brasil.
"É uma questão técnica e eu diria que não gera nenhum efeito processual prático para nós. Gera na Suíça o direito a um recurso interno para Odebrecht, apenas", avalia o procurador da República Paulo Roberto Galvão.
No entanto, o procurador reconhece que, na hipótese de o tribunal suíço dar provimento ao pedido da offshore controlada pela Odebrecht, as provas do caso Lava-Jato no Brasil poderão ser afetadas.
"Em alguns meses haverá julgamento da corte sobre o recurso das offshores. Esse recurso discutirá o mérito da questão e aí poderá afetar o nosso processo".
O procurador da República, no entanto, não acredita que tal possibilidade se confirme.
"Não cremos que isso possa ocorrer, porque não há sequer um precedente neste sentido. Claro que não há como saber de antemão o que vai ser decidido pelos juízes suíços. Mas o fato é que a própria Justiça suíça, nesta mesma decisão, reconhece que as contas investigadas por receber dinheiro de ilícitos são da Odebrecht".
Fonte: Valor