A forte valorização do dólar em relação ao real do início de fevereiro para cá, combinada com uma inesperada reação das cotações em Chicago na segunda metade do mês passado, destravou a comercialização de soja e milho no Brasil. A conjunção elevou os preços no país e compensou parte das perdas provocadas por meses seguidos de quedas na bolsa americana. Ainda que a espiral baixista tenha voltado a dar o tom no início de março em Chicago, uma "janela de oportunidade" se abriu e muitos produtores souberam aproveitá-la.
De acordo com cálculos do Valor Data, do início de fevereiro até ontem o dólar (Ptax) subiu 17,6% em relação ao real. Apenas em fevereiro, a alta foi de 8,1%. Paralelamente, em fevereiro os contratos futuros de segunda posição de entrega (normalmente os de maior liquidez) de soja e milho em Chicago registraram valorizações de 6,6% e 3,9%, respectivamente, com destaque para um impulso na segunda quinzena do mês. Outro empurrão para as vendas.
Em Mato Grosso, que lidera a produção de grãos do país, a comercialização de soja reagiu e chegou, no início de março, a 59,4% da colheita total prevista nesta safra 2014/15, avanço de 9,5 pontos percentuais em um mês, conforme dados do Instituto Mato-grossense de Economia Agropecuária (Imea). Ainda assim, o patamar segue abaixo dos 69,6% de igual período do ano passado, quando estavam em jogo as vendas da oferta da temporada 2013/14.
Conforme analistas, a greve dos caminhoneiros no Brasil, que chegou a influenciar a valorização sobretudo da soja em Chicago na segunda quinzena de fevereiro, no fim do mês limitou o avanço da comercialização, já que ampliou a preocupação em relação ao ritmo da colheita em regiões como o norte de Mato Grosso. Também por conta das chuvas, a retirada da soja dos campos mato-grossenses estava concluída em 67,4% da área total semeada até o fim da semana passada, 4 pontos a menos que um ano atrás, de acordo com os dados do Imea.
Capitalizados, muitos agricultores de Mato Grosso já desaceleraram novamente a comercialização da oleaginosa, à espera de uma nova conjunção de dólar e preços em alta. Segundo Fernando Buzanello, da consultoria Cerealpar em Lucas do Rio Verde (MT), o produtor está vendendo o suficiente para "apagar incêndios". "Só estão saindo lotes pequenos, de até 200 ou 300 toneladas, mais para que ele [o agricultor] faça pagamentos corriqueiros, como óleo diesel e funcionários". No momento, a saca de 60 quilos está em torno de R$ 54,50, ante R$ 51 há um mês. "Ninguém imaginava vender soja em março a esse valor. Acredito que se o preço superar R$ 55 vai ficar mais fácil de o mercado destravar".
No Paraná, segundo maior Estado produtor de grãos do país, apesar de alguma evolução fevereiro chegou ao fim com apenas 16% da safra de soja comprometida, ante 35% do mesmo período de 2014, segundo o Departamento de Economia Rural (Deral) da Secretaria de Agricultura do Estado. Mas, nos últimos dias, o dólar passou a ser ainda mais decisivo nas negociações, conforme Kelyngton Pessoa, operador de mercado da Granoeste, em Cascavel (PR).
"Desde sexta-feira, têm saído volumes bem consideráveis". Há vendas sendo efetivadas a R$ 64 por saca, entre R$ 1 e R$ 2 acima do fim da semana passado. Há um mês, a saca estava em torno de R$ 58,50.
A Safras & Mercado ainda está finalizando seus cálculos, mas Luiz Fernando Gutierrez, um de seus consultores, acredita que em torno de metade da safra brasileira de soja tenha sido comercializada - portanto aquém dos 62% de março de 2014. "Nos últimos dois anos, os preços mais atraentes em Chicago [a média foi de US$ 12 a US$ 14 por bushel] levaram muitos produtores a antecipar as vendas. Neste ano, a cotação perto dos US$ 10 inibiu a comercialização, mas com o dólar em alta eles estão voltando ao mercado", afirmou.
Reflexo da combinação entre mercado adverso até a janela da segunda quinzena do mês passado e o atraso da colheita, a queda das exportações de soja em grão e derivados se aprofundou em fevereiro. Segundo dados da Secretaria de Comércio Exterior (Secex) compilados pelo Ministério da Agricultura, a receita dos embarques do complexo, influenciada por volumes e preços menores, caiu 57,1% em relação ao mesmo mês de 2014, empurrando o segmento, que tradicionalmente lidera os embarques do agronegócio brasileiro, para a terceira colocação.
A redução de US$ 965,16 milhões nas vendas externas de soja em grão, farelo e óleo em fevereiro, para US$ 725,77 milhões, representou 65,1% da queda total da receita das exportações do agronegócio do país no mês. No primeiro bimestre, os embarques do complexo soja renderam US$ 1,25 bilhão, 45,2% abaixo do mesmo intervalo de 2014.
No caso do milho, Paulo Molinari, também da Safras & Mercado, estima que tenham sido negociados 20% da safra de verão (também em fase de colheita). Da safrinha, que será colhida em meados do ano, de 15% e 20%. "O que tem 'rodado' mais é a safrinha, que é mais destinada à exportação. O milho verão costuma ficar no mercado interno", disse Molinari, lembrando que normalmente a soja tem prioridade sobre o milho para embarque nos portos nesse período do ano. Mesmo assim, no primeiro bimestre as exportações brasileiras de cereais, farinhas e preparações, puxadas pelo milho colhido na safrinha de 2013/14, renderam US$ 1,088 bilhão, 23,2% mais que no mesmo período do ano passado.
Turbinado pelo dólar, o milho com entrega em setembro de 2015, que estava entre R$ 27,50 e R$ 28 por saca no fim do ano passado no porto de Paranaguá (PR), subiu para R$ 31 nos últimos dias. Com isso, as vendas da safrinha paranaense atingiram 8% ao fim de fevereiro, ante 1% no mesmo intervalo de 2014, segundo o Deral. Quanto ao milho de verão, apenas 4% da safra estava comercializada, ante 9% na mesma comparação. E há, ainda, quase 30% da safrinha passada para ser negociada no Estado. Conforme Marcelo Garrido, economista do Deral, muitos produtores paranaenses foram estimulados a fechar contratos de safrinha entre novembro e dezembro de 2014, diante da expectativa de menor oferta com a possível redução da área plantada em Mato Grosso.
Essa redução da safrinha de milho mato-grossense tende a se concretizar - o Imea prevê queda de 12,18% na área -, e os produtores, de modo geral, têm aproveitado o dólar forte para fechar negócios. O Imea estima que 42% da safrinha já esteja comprometida no Estado (6,13 milhões de toneladas), bem acima dos 5,4% (956,8 mil toneladas) de março do ano passado.
Parte dos agricultores, porém, espera que as cotações subam mais. "No mercado futuro, a saca está entre R$ 19 e R$ 19,50, mas eles acham que está barato, não querem vender", disse Jerson Carvalho Pinto, da Diversa Corretora de Cereais, de Rondonópolis (MT). Segundo ele, muitos preferem esperar novos repiques de preços para embolsar mais e se resguardar em relação à alta dos insumos para a próxima safra - outro reflexo do dólar valorizado.
Mas quem empurrar as negociações pode se deparar com um mercado também mais abastecido nos próximos meses. Além dos estoques de soja e milho apontados pelo Departamento de Agricultura dos EUA (USDA) serem maiores que na safra passada (ver Ajustes do USDA mantêm cenário global confortável), a expectativa é de colheita recorde na América do Sul este ano e de plantio expressivo no ciclo 2015/16 nos Estados Unidos - onde a semeadura já começou, ainda que timidamente.
Fonte: Valor Econômico/Mariana Caetano e Fernando Lopes | De São Paulo
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