O processo movido pela CSN contra a Techint vai levar à Justiça um debate que há anos ocupa os membros do colegiado da Comissão de Valores Mobiliários (CVM). A autarquia já se posicionou em diversas situações sobre o direito da extensão aos minoritários da oferta feita pelo comprador aos controladores. E a noção já solidificada no órgão regulador é que uma reestruturação dentro de um bloco de controle compartilhado não dispara o chamado "tag along".
"A CSN não recorreu ao colegiado da CVM porque já conhece sua posição. O Judiciário pode ter uma visão um pouco mais flexível da lei", afirma Eduardo Boccuzzi, sócio da Boccuzzi Advogados. O parecer contrário à extensão da oferta foi dado pela área técnica e ainda caberia recurso junto aos diretores.
Os advogados consultados pelo Valor afirmam que a chance de a Justiça comum rever o entendimento na CVM existe, mas é baixa. "O Judiciário não está acostumado a lidar com esse tipo de matéria e a CVM é quem tem mais proximidade com a legislação de mercado de capitais", diz Silvia Bugelli, da Almeida Bugelli e Valença Advogados Associados.
Cassio Cavalli, professor da Faculdade de Direito da FGV-Rio, afirma que o processo vai levar pela primeira vez à Justiça a questão do exercício do controle de fato. "O que vai se julgar é um caso que as ações, por si só, não outorgam poder de controle, mas há uma suposta situação específica que daria esse poder. A análise passará pelo acordo de acionistas", explica.
A CVM já chegou a julgar a questão o exercício do poder de controle de fato de no caso Telecom Italia, em 2009. A companhia, que é controladora da brasileira TIM, viu 25% de seu capital votante trocar de mãos quando a Telco comprou a Olimpia, subsidiária da Pirelli, que até então tinha a maioria absoluta das ações ordinárias.
Fundos de investimento questionaram o regulador brasileiro a respeito da necessidade da extensão do preço pago à Pirelli também aos acionistas da TIM, alegando uma transferência indireta de controle. Segundo eles, apesar de a fatia envolvida na transação ser inferior à metade do capital, a Olimpia indicava a maioria dos conselheiros e tinha predominância nas decisões sobre o futuro da Telecom Italia.
O colegiado da CVM negou o pedido dos minoritários, justificando que, apesar das posições da Olimpia serem preponderantes, a maioria dos votos não lhe era garantida de forma permanente. "Se o alienante não possui o poder de controle de forma permanente, ainda que seja o controlador de fato, não pode alienar o que não tem e o adquirente não se obriga a realizar oferta pública de aquisição perante os demais acionistas", escreveu o diretor da CVM Eli Loria em voto proferido no caso.
O entendimento consta ainda na Instrução 361 da autarquia, que rege os procedimentos de oferta pública de aquisição de ações (OPA). O texto define acionista controlador como "titular de direitos de sócio que lhe assegurem, de modo permanente, a maioria dos votos nas deliberações da assembleia geral e o use efetivamente para dirigir a companhia".
No mercado, a preocupação é que o precedente aberto pela CSN possa respingar sobre outras operações de fusão e aquisição no Brasil. "Qualquer decisão que vai contra a posição do órgão regulador gera uma instabilidade jurídica muito grande", afirma Silvia, da Almeida Bugelli e Valença Advogados.
Cavalli, da FGV, diz que o processo deve deixar os investidores interessados em entrar no bloco de controle de companhias abertas reticentes apenas enquanto estiver em trânsito pela Justiça. "Existe um cenário de alguma incerteza e o mercado vai ter que ponderar esse risco. Mas com a consolidação entendimento do Judiciário, a segurança do ambiente de negócios só tende a aumentar", argumenta.
Uma decisão final, no entanto, deve demorar. Para Boccuzzi, a decisão em primeira instância pode ser proferida em alguns meses, dado que o caso deve envolver apenas a análise dos documentos apresentados, sem a necessidade de longas audiências presenciais. Mas, com os recursos que devem tramitar até o Superior Tribunal Federal (STF), o caso pode se arrastar por uma década.
O tempo envolvido no processo e a incerteza em relação à posição do Judiciário sobre o caso se refletem sobre o desempenho das ações da Usiminas. Desde o dia 6 de fevereiro, quando o processo movido pela CSN veio a público, os papéis votantes caíram 8,3%, para R$ 10,26 - menos da metade dos R$ 28,80 que podem ser pagos pela Techint caso a Justiça seja favorável à extensão do prêmio de controle aos minoritários. "Não dá para operar pensando nesse processo, pelo menos até que saia alguma decisão em primeira instância", afirmou um analista de mercado.
Fonte: Valor / Natalia Viri
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