Um pequeno grupo de fundos hedge usufrui atualmente dos melhores negócios em anos graças à enorme volatilidade dos valores de frete marítimo, estimulada mais recentemente pela colisão entre o advento da variante ômicron do coronavírus e a reativação da economia global.
As taxas de transporte marítimo de carga seca a granel dispararam neste ano para seus níveis mais elevados desde a crise financeira de 2008, enquanto as tarifas de transporte de contêineres também subiram acentuadamente, aquecidas pela recuperação da demanda global e pelo congestionamento dos portos. Para os consumidores, isso se traduz em mais inflação. Mas, para alguns traders especializados de fundos hedge, oferece exatamente o tipo de grandes alterações de preços que eles adoram.
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Demetris Polemis, diretor do fundo hedge Paralos Asset Management, sediado em Guernsey, no canal da Mancha, disse que as altas de preços e a volatilidade das taxas de frete de granéis sólidos neste ano “criaram algumas das melhores oportunidades de transações desde que inauguramos a Paralos, em 2011”. O fundo, que administra cerca de US$ 450 milhões em ativos e negocia contratos futuros referenciados nos indicadores que compõem o índice Baltic Dry (que mede taxas de transporte de commodities como minério de ferro e carvão em várias rotas marítimas) subiu 110% no ano até fim de novembro, alta que fez deste seu melhor ano em termos de retorno desde o início.
As restrições devidas ao surgimento da ômicron e aos elevados preços da energia e das commodities “apontam para um mercado em alta, mas volátil, no ano que vem”, acrescentou.
O grupo de investimentos Pilgrim Global, gerido por Darren Maupin, ex-administrador de carteira do Fidelity, subiu cerca de 117% neste ano, com aproximadamente 75% dessa valorização gerados pelo frete marítimo.
Fundos que usam algoritmos para se atrelar a padrões de dados também estão lucrando. Entre eles está o AHL, a divisão comandada por computador da empresa de fundos hedge Man Group, responsável por US$ 139,5 bilhões em ativos. Seu fundo Evolution, que opera em uma série de mercados, registrou alta de 16,9% neste ano.
O grupo de estratégia quantitativa Florin Court Capital, sediado em Londres, subiu quase 30%, ajudado por posições em contratos de navios-tanque. E o grupo de estratégia quantitativa Aspect Capital, também de Londres, quer começar a negociar contratos futuros referenciados no índice Baltic Dry em 2022.
Os fundos hedge subiram, em média, 8,7% nos 11 primeiros meses deste ano, segundo a HFR.
O frete marítimo não é bem-visto por investidores há anos, devido aos baixos retornos e ciclos de surtos de crescimento e de queda. Mesmo no universo dos fundos hedge, acostumado a negociar em mercados delicados, ele constitui um nicho, embora tenha ganhado receptividade junto a fundos comandados por computadores, nos últimos anos, num momento em que buscam mercados novos nos quais apostar.
Para ter exposição ao setor, alguns fundos negociam ações de empresas de transporte marítimo que operam navios-tanque ou transportam granéis sólidos. Outros apostam nas variações dos contratos futuros nos diversos índices da Bolsa do Báltico, provedora de informações sobre taxas de frete, ou em contratos de rotas de transporte marítimo específicas, ainda intermediadas por meios sonoros, em geral, telefônicos. A Bolsa Mercantil de Chicago (CME) anunciou recentemente o registro de seis contratos futuros de frete de contêineres de rotas diferentes, que a gestora de ativos Florin Court Capital disse planejar negociar.
Após serem transacionados em uma faixa de valor por boa parte dos últimos dez anos, as taxas de transporte de contêineres e de granéis sólidos explodiram neste ano, gerando recompensas aos fundos. O índice Baltic Dry subiu 75% no ano, puxado pela sólida demanda por commodities e pelos atrasos nos portos impostos pela covid, como restrições de fronteira e escassez de membros da tripulação e de profissionais em navegação, além da obstrução do canal de Suez, em março.
O índice tinha subido mais de 300% em outubro, antes da intervenção de autoridades chinesas em favor da redução dos preços do carvão e da escalada dos problemas da endividada incorporadora Evergrande. O índice de fretes de contêiner Freightos Baltic subiu cerca de 180%, tendo sofrido uma queda de baixa magnitude neste quarto trimestre. As taxas iniciais podem ser muito voláteis porque o transporte marítimo é uma commodity que não pode ser armazenada.
Os fundos hedge podem lucrar com essa volatilidade. O Paralos, por exemplo, apostou neste quarto trimestre que a volatilidade tinha sido precificada a valores muito baixos em relação à ameaça de tufões na China. Selecionou opções no índice Capesize, indicador que monitora valores de frete nos maiores navios das quatro categorias de embarcações do índice Baltic Dry. Esses derivativos dispararam de preço, com alguns tendo ficado mais do que dez vezes maiores, já que as tempestades forçaram atrasos nos portos.
A Svelland Capital, de Londres, por seu lado, previa que o aumento das importações de petróleo pela China puxaria os preços do petróleo para cima neste quarto trimestre. Além de comprar petróleo bruto, a empresa adquiriu contratos futuros de frete marítimo e ações de empresas de navios-tanque, antes de vender esses ativos, no fim de outubro, após sua valorização.
E, enquanto alguns gestores perderam parte de seus ganhos durante a queda de preços no quarto trimestre, outros não conseguiram lucrar. Joakim Hannisdahl, executivo-chefe da Cleaves Asset Management lotado na Noruega, valorizou seus ativos em 34% neste ano, ao lucrar com a disparada das ações das companhias de transporte marítimo durante boa parte do ano, antes de começar a apostar na queda de preços, diante da diminuição das taxas de frete.
Com a ascensão acelerada das infecções pela ômicron, que obrigou governos a impor restrições sociais mais uma vez, algumas gestoras de fundos preveem que as taxas de frete marítimo seguirão altas em 2022. A aproximação de novas regras para reduzir emissões de carbono no setor, além disso, poderá obrigar embarcações a reduzir a velocidade, disseram operadores. Esse fator poderá reduzir a capacidade de transporte e puxar as tarifas para cima.
Renaud Saleur, ex-operador do Soros Fund Management que agora comanda a Anaconda Invest, tem aumentado as posições em operadoras de navios-tanque de petróleo bruto. Apesar das valorizações deste ano, as taxas nessa área estão bem abaixo de seu pico de meados da década de 2000, mas Saleur prevê que elas serão aquecidas pela queda da oferta de navios, à medida em que os mais antigos forem desativados.
Cato Brahde, diretor de investimentos da Oceanic Investment Management, se prepara para a volatilidade a ser infundida pela transição das embarcações para combustíveis mais limpos. Segundo ele, isso poderá criar um “superciclo de investimentos em transporte marítimo e no setor energético semelhante ao vivido quando a China se integrou à economia mundial, 20 anos atrás”.
Fonte: Valor