Uma avaliação importante é sobre a percepção de maior rigidez no tratamento que a Securities and Exchange Commission (SEC), a comissão de valores mobiliários americana, dará ao escândalo na abordagem relativa a mercado de capitais, em comparação a qualquer outra entidade nacional. Não se pode esperar que a redenção venha de lá.
Não há oportunidade melhor para tal análise. Afinal, é a Petrobras, a ex-maior companhia do mercado brasileiro - hoje quarta maior. No fim de 2013, valia R$ 215 bilhões. Terminou 2014 em cerca de R$ 130 bilhões - ou seja, R$ 85 bilhões de destruição de valor. Perde posição para AmBev, Itaú e Bradesco, nesta ordem.
Nos Estados Unidos, todo o sistema, toda a indústria financeira, funciona em prol do investidor. O motivo é simples. Porque é ele quem, em última instância, financia a economia. Muito mais ativo do que o nosso, o mercado de capitais americano é onde as companhias se viabilizam. Lá, empreendedores, com raras exceções, não se mantêm donos do que criam. Ao menos, não quando dá certo! A propriedade, a riqueza e o risco são divididos com os financiadores e, portanto, viabilizadores de todo movimento - eles, os investidores.
No Brasil é tudo diferente. O mercado brasileiro é infinitamente menor. Para se ter ideia da diferença que está em pauta: a soma da capitalização das empresas listadas na Bolsa de Nova York (Nyse) é pouco inferior a US$ 30 trilhões, enquanto que o mesmo valor na BM&FBovespa fechou 2014 em menos de US$ 845 bilhões.
Não surpreende, portanto, que o sistema brasileiro seja bastante diferente.
A despeito de tudo isso, há sim muito que o investidor pode fazer com a legislação brasileira. Em especial, para auxiliar a Petrobras a tentar recuperar as perdas - ou parte delas - seja dos administradores ou do próprio controlador, que vem a ser a União.
Cobrar dos responsáveis pelos seus erros faz todo sistema, dentro e fora do mercado, funcionar melhor. Leva todos os envolvidos, mesmo aqueles que se julgam vítimas das circunstâncias, a cutucar aquele que deve ser responsabilizado. Há lei suficiente para isso.
A Lei das Sociedades por Ações, por exemplo, oferece caminhos - no plural - aos investidores.
O primeiro passo, para qualquer que seja a rota, é encontrar um acionista com 5% do capital da companhia ou reunir um grupo que some este percentual. Lembrando aqui que aquele que detiver 0,5% do capital e quiser tomar a frente de tal iniciativa pode solicitar à empresa a lista dos acionistas.
De forma simples, o primeiro passo é a vontade do investidor.
Aqueles que desejam que a Petrobras processe os administradores responsáveis podem solicitar a convocação de uma assembleia para levar a todos os acionistas, reunidos, a discussão sobre a abertura de ações civis de responsabilização e ressarcimento. A iniciativa está garantida pela combinação dos artigos 123 e 159 da Lei das S.A.. Se o conselho da empresa não aceitar o pedido, os acionistas podem promover sozinhos a convocação.
Ações de ressarcimento à empresa contra administradores precisam passar pela assembleia. Caso o controlador não queira fazer a ação, qualquer investidor ou grupo com 5% do capital pode fazer. E, em caso de vitória, ter todos os custos com o processo cobertos.
Outro caminho - este especialmente aberto após as confissões de ex-funcionária Venina Velosa da Fonseca, que diz ter denunciado possíveis irregularidades em diversas frentes, desde a obra para a refinaria de Abreu e Lima até as negociações internacional com navios de petróleo, pela Petrobras - é o uso do artigo 246.
Até hoje tal artigo só foi usado no Brasil numa ação bilionária contra a própria Petrobras, um processo antigo e vitorioso em todas as instâncias, menos no Superior Tribunal de Justiça, promovida por um minoritário da antiga Petroquisa.
O artigo 246 permite que acionistas com 5% da companhia abram uma ação contra a sociedade controladora da empresa - aqui a União - em caso de danos causados pela infração dos artigos 116 e 117.
Tais artigos definem o que é o acionista controlador e quais suas obrigações. O 117 lista exemplos de abusos de poder de controle. A lista de exemplos, presente no 1º parágrafo do artigo, traz o seguinte texto na letra "g": aprovar ou fazer aprovar contas irregulares de administradores, por favorecimento pessoal, ou deixar de apurar denúncia que saiba ou devesse saber procedente, ou que justifique fundada suspeita de irregularidade.
Sem entrar no mérito sobre a atuação do conselho - liderado por representantes escolhidos e participantes do Poder Executivo - diante da escalada inflacionária no orçamento da Refinaria de Abreu e Lima, parece haver, no mínimo, espaço para uma discussão sobre o assunto.
Também é válido refletir sobre as obrigações dos administradores, além dos clássicos deveres de lealdade e diligência. O artigo 158, sempre da mesma Lei das Sociedades por Ações, escrita em 1976, que trata daquilo pelo qual o administrador pode ser civilmente cobrado, traz:
Parágrafo 1º: O administrador não é responsável por atos ilícitos de outros administradores, salvo se com eles for conivente, se negligenciar em descobri-los ou se, deles tendo conhecimento, deixar de agir para impedir a sua prática. Exime-se de responsabilidade o administrador dissidente que faça consignar sua divergência em ata de reunião do órgão de administração ou, não sendo possível, dele dê ciência imediata e por escrito ao órgão da administração, ao conselho fiscal, se em funcionamento, ou à assembleia geral.
Parágrafo 2º: Os administradores são solidariamente responsáveis pelos prejuízos causados em virtude do não-cumprimento dos deveres impostos por lei para assegurar o funcionamento normal da companhia, ainda que, pelo estatuto, tais deveres não caibam a todos eles.
Parágrafo 4º: O administrador que, tendo conhecimento do não cumprimento desses deveres por seu predecessor, ou pelo administrador competente, deixar de comunicar o fato à assembleia geral, tornar-se-á por ele solidariamente responsável.
Há outros parágrafos no artigo 158 - são cinco no total - mas estes bastam. Não precisa mais do que isso para que os investidores pensem sobre o que podem ou não fazer.
A lei brasileira deixa claro, portanto, que quando se trata cuidar da riqueza alheia, é preciso mais do que boas intenções. Erros ocorrem, é fato. E os administradores todos têm essa liberdade. Não há cobrança por erros cometidos por julgamentos incorretos de oportunidades de negócios. Os gestores estão protegidos da exigência de ser infalíveis.
Fonte: Valor Econômico/Graziella Valenti | De São Paulo
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