O desenho do futuro financeiro da Odebrecht está ganhando os contornos finais. O grupo e os principais cinco bancos credores estão perto de acertar as bases para um acordo que definirá o plano de recuperação judicial, com cerca de R$ 40 bilhões em compromissos, e também como vão ficar os vencimentos de quase R$ 15 bilhões que estão fora desse processo na Justiça. A dívida total da empresa é de R$ 55 bilhões. Para além das finanças, o futuro é mais incerto. A aposta está na refundação a partir da construtora, ainda que em tamanho nada comparável ao do início desta década.
O plano de recuperação prevê a venda de negócios e desmonte de boa parte da diversificação acelerada na era de Marcelo Odebrecht. Com o acordo, a companhia quer tempo para organizar e vender ativos de forma a extrair o maior valor possível, e assim também aumentar o fôlego para reerguer a construtora, rebatizada OEC.
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Na Justiça, ao pedir recuperação judicial em 17 de junho, a Odebrecht listou R$ 98 bilhões em dívidas. Contudo, o que ela precisa renegociar efetivamente são R$ 55 bilhões. Há R$ 33 bilhões em dívidas entre empresas do grupo e R$ 10 bilhões em compromissos com seguradoras que ainda não foram sequer alvo de execução. O processo está aos cuidados da RK Partners, de Ricardo Knoepfelmacher, e do escritório E.Munhoz. Se conseguir aprovar o que planeja, a holding do grupo sai do processo com dívida contábil de R$ 15 bilhões - que já têm cobertura.
Nas negociações, os cinco bancos credores que desenham o plano junto com a Odebrecht - Itaú, Bradesco, Santander, BNDES e Banco do Brasil - demonstram disposição para um acordo que dê um tempo de reorganização ao grupo. O conglomerado entende que precisa de um intervalo entre cinco e dez anos para essa gestão.
Nesse diálogo, as instituições não escondem o desinteresse em voltar a fornecer crédito ou se relacionar comercialmente, além da gestão do que for acordado. Para os bancos, o plano de recuperação é um fim organizado do conglomerado. Mas, essa posição não parece interferir no projeto de refundação do grupo, que vê novas fontes de crédito no horizonte com o cenário de queda de juros no país.
A relação com os bancos está abalada desde que a Operação Lava-Jato atingiu o conglomerado. Após a prisão de Marcelo, mesmo com todos os esforços em concluir os acordos de leniência e se manter em dia com credores, só foram obtidos R$ 2,6 bilhões em linhas novas, de Itaú e Bradesco, em 2018.
No acerto em discussão com os bancos, deve ficar definido que a Odebrecht terá acesso não só ao dividendo da Braskem relativo a 2018 (cerca de R$ 250 milhões), como também a uma fração contínua dos proventos durante os próximos anos, até vender a petroquímica. Essa será a principal fonte de recursos para a holding coordenar a gestão dos negócios.
Todas as ações da Braskem detidas pelo grupo estão cedidas na forma de alienação fiduciária a Itaú, Bradesco, BNDES, Banco do Brasil (BB) e Santander, assim como os dividendos que elas rendem, para cobertura de R$ 12,6 bilhões em dívidas diversas. O tamanho do que ficará acessível para a Odebrecht está em discussão exatamente nesse momento.
Também ficarão documentadas as regras e ritos para a já esperada venda da Braskem - o ativo de maior valor e único com liquidez do grupo todo - e de outras empresas. A expectativa é que o processo da petroquímica comece em 2020, mas a alienação mesmo deve exigir tempo e ocorrer apenas em 2021 ou à frente, quando é esperado que o ciclo desse setor esteja melhor.
Toda a dívida de R$ 55 bilhões será reestruturada, e não só os R$ 40 bilhões que estão dentro do processo de recuperação judicial. As dívidas com os bancos nacionais fora do processo, de quase R$ 15 bilhões serão alongadas e algumas terão redução de custo. Especialmente os R$ 2,6 bilhões fornecidos por Itaú e Bradesco, em 2018, mais os juros já incorridos sobre essas linhas.
Nessa negociação, será definido o caixa mínimo que o grupo precisa para gerir a execução do próprio plano e para lidar com eventuais contingências.
A recuperação judicial da holding do grupo, Odebrecht S.A., conhecida pela sigla ODB, tem uma particularidade: é uma reestruturação de avais e garantias. Ou seja, o que será definido é como a holding arcará com as dívidas que as empresas operacionais não forem capazes de pagar e que têm cobertura da controladora. Portanto, quando houver solução diretamente nas controladas, pode haver alívio também na holding.
Os R$ 40 bilhões em compromissos dentro do processo serão convertidos em títulos de participação em ganhos futuros, semelhantes a uma debênture de participação em lucros. Deixarão de ser dívida, mas também não serão ações. A operação tornará o balanço muito mais leve.
Esses novos papéis serão servidos pelo resultado da venda integral ou parcial das empresas, ao longo dos próximos anos, e pelos dividendos. Os principais ativos que deverão ser alienados no futuro, além da Braskem, são a segunda maior sucroalcooleira do país, a Atvos, a empresa de sondas petroleiras Ocyan e a participação na usina hidrelétrica Santo Antônio. Como ativo, a ODB também considera um crédito de US$ 1 bilhão para o litígio pela expropriação do gasoduto sul-peruano, que é discutido em uma arbitragem internacional (ainda não iniciada).
Hoje, nem todas essas outras empresas juntas chegam perto da riqueza que pode ser obtida pela venda de Braskem, onde a Odebrecht, sócia da Petrobras, tem 38% do negócio. Os títulos resultantes da conversão da dívida dentro da recuperação só poderão receber remuneração com a venda da petroquímica se sobrar dinheiro além dos R$ 12,6 bilhões já garantidos pelas ações. Daí, o desejo de tempo para buscar o maior valor possível para tudo.
Os bancos credores estão, até o momento, empenhados em buscar uma solução. A companhia quer aprovar o plano neste ano, em assembleia de credores. Há cerca de um mês, as reuniões com os bancos ocorrem com frequência e têm evoluído para um consenso. Contudo, validar reestruturações de dívida - em especial deste porte - dentro dos comitês de crédito das instituições públicas não é tarefa simples. Por isso, uma aprovação até março de 2020 ainda seria considerada como vitória internamente.
Uma das dificuldade nas conversas é que a Odebrecht quer ficar com uma parte - ainda que pequena - do resultado da reorganização e venda de ativos. Os bancos não querem, em especial porque, mesmo se ficassem com todos os ativos, não cobririam o crédito concedido. Essa é a parte mais delicada da negociação. Para alguns, essa questão é mais sensível até mesmo que a definição sobre a divisão dos dividendos da Braskem.
A avaliação da Odebrecht, segundo pessoas que acompanham o assunto, é que, se for para entregar tudo, seria mais fácil, rápido e sem risco transferir aos bancos o controle das empresas ou liquidar os ativos agora mesmo. Mas os credores também não querem as empresas para gerir.
Sem contar o setor petroquímico, cujo início dos investimentos ocorreu em 1977, a diversificação e expansão da Odebrecht foi financiada principalmente pelos bancos públicos. Dos R$ 33 bilhões em compromissos dentro e fora da recuperação judicial com os bancos nacionais, BNDES, BB e Caixa respondem por R$ 23 bilhões. As instituições privadas Itaú, Bradesco e Santander têm cerca de 10 bilhões.
Na recuperação judicial, a força está toda concentrada nas instituições públicas: R$ 17 bilhões dos R$ 40 bilhões que votarão em assembleia de credores, ante R$ 1,3 bilhão de Itaú, Bradesco e Santander. Os créditos dos bancos privados estão, em sua maioria, garantidos pelas ações da Braskem, portanto fora da recuperação judicial e, por isso mesmo, sem voto na assembleia sobre o plano.
Pela participação desproporcional dos bancos públicos no total dos R$ 40 bilhões em negociação, o risco maior para a Odebrecht de insucesso para aprovação do plano está em uma eventual decisão do governo de politizar o assunto e orientar os bancos públicos contra o plano - o que, até o momento, não parece ser o caso.
A Odebrecht concentrou as negociações em cinco dos seis bancos credores porque a conversa passa necessariamente pela dívida garantida por Braskem - e a Caixa, com créditos totais de R$ 5 bilhões, não possui tal cobertura. Essa situação levou o banco liderado por Pedro Guimarães a adotar a postura mais agressiva dentre todos. Coordenar o plano com os demais permite ao grupo prescindir do aval da Caixa na assembleia, mas torna posição de BNDES e BB determinantes.
Além dos ativos que serão reorganizados para serem vendidos, algumas companhias terão a estrutura reduzida e poderão desaparecer no futuro. É o que se espera para o estaleiro Enseada, que entrou em recuperação judicial na Justiça do Rio.
A empresa de incorporação imobiliária OR já está muito menor do que foi - chegou a ser a terceira maior do Brasil. Com dívidas de cerca de R$ 2,6 bilhões, negocia uma solução com os bancos credores. Conforme fontes envolvidas com o assunto, já houve acordo com Bradesco. Itaú e Votorantim estão próximos de uma definição. A Caixa, se não entrar em acordo, pode terminar sozinha em mais uma recuperação judicial ligada ao grupo, já que os demais bancos estão resolvendo o caso.
A situação financeira do conglomerado piorou após a Operação Lava-Jato. Mas, internamente, a percepção é de que o grupo enfrentaria problemas importantes mesmo sem o escândalo de corrupção, devido à concentração de risco em empresas ou regiões dependentes do petróleo e à elevada alavancagem de algumas companhias que enfrentaram suas próprias crises setoriais, como é o caso da sucroalcooleira Atvos e da OR.
No plano de revitalização, um ponto de interrogação do mercado é o quanto Marcelo Odebrecht, com seu desejo de voltar a aconselhar sobre os negócios por meio da holding familiar Kieppe, pode prejudicar o resultado do esforço. A família, representa por Emílio Odebrecht, diz estar fechada na decisão de não permitir essa interferência.
Os bancos, tradicionalmente, concederam crédito calcados no histórico de pagamentos do grupo e na saúde da construtora. Em 2016, quando o conglomerado começou a negociar o acordo de leniência com as autoridades brasileiras, suíças e americanas, a ODB tinha menos de R$ 20 bilhões em avais assegurados e era dona de Braskem, Ocyan e Atvos. Quando entrou em recuperação judicial, os avais e garantias debaixo do guarda-chuva da holding passavam de R$ 50 bilhões - considerando seguros de obras que foram retirados do processo na Justiça - e as companhias citadas estavam cedidas em alienações fiduciárias como parte de reestruturações intermediárias que não solucionaram de forma definitiva o futuro.
Fonte: Valor