Ernesto Rodrigues/AELula e Dilma participaram do início das obras da refinaria no Maranhão
A Petrobras tinha conhecimento do alto risco que levou à perda de quase R$ 3 bilhões com os projetos das refinarias premium que pretendia erguer na região Nordeste. A auditoria que o Tribunal de Contas da União (TCU) fez nos dois empreendimentos mostra que, há apenas dois anos, a diretoria da estatal decidiu seguir adiante com as refinarias mesmo diante de uma realidade aterradora: o risco de prejuízo era de 98%.
O diagnóstico foi dado em julho de 2013 pela consultoria Wood Group Mustang Engineering Inc (WGMI). A empresa foi contratada para "melhorar" os dois projetos, que após várias revisões já estavam custando mais de US$ 44 bilhões. Com as otimizações sugeridas, o custo caiu para US$ 33,7 bilhões, mas ainda assim o risco de prejuízo era de 98,4% para a Premium I, prometida para o Maranhão, e de 97,9% para a Premium II, no Ceará.
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A decisão de seguir com os projetos evidenciou uma armadilha na qual a Petrobras tinha caído três anos antes. Em fevereiro de 2010, a diretoria assinou a contratação da terraplenagem da refinaria Premium I. O contrato de R$ 711 milhões foi firmado com um consórcio liderado pela Galvão Engenharia, empresa investigada na Operação Lava-Jato de participar do cartel de corrupção envolvendo diretores da Petrobras.
Naquele mesmo ano, a estatal comprometeu mais US$ 425 milhões na contratação de licenciamento de uso de tecnologia e projeto básico, assistência técnica e serviços de engenharia de pré-detalhamento, conhecido no setor como Feed (Front End Enginnering Design).
Esses dois contratos são os principais responsáveis pelo prejuízo de R$ 2,8 bilhões que a Petrobras registrou em seu balanço após desistir das duas refinarias - o que só aconteceu em janeiro deste ano. Além do rombo, o TCU alega que as duas contratações foram feitas com antecedência desnecessária, o que pode configurar "gestão temerária" por parte da diretoria. Segundo a auditoria, a terraplenagem seria normalmente contratada na Fase 4 do projeto, mas se deu na Fase 1.
O documento ressalta que não se refere à gestão temerária de natureza penal, praticada por instituição financeira e definida como crime na Lei 7.492/1986. "Significa dizer que as decisões não foram potencialmente tomadas em contraposição à identificação, quantificação e gestão dos riscos do empreendimento", afirma o relatório.
Apesar de atribuir à diretoria executiva a responsabilidade pelas decisões, o TCU decidiu investigar se o conselho de administração da Petrobras foi omisso diante de tantas evidências de um projeto deficitário. Na época em que a contratação da terraplenagem foi autorizada, em 2009, o conselho era chefiado pela presidente Dilma Rousseff, então ministra-chefe da Casa Civil.
Uma eventual punição dos responsáveis pelo prejuízo será coberta por um seguro contratado pela Petrobras. Apesar desse mecanismo estar previsto no estatuto da companhia, os auditores do TCU criticaram o fato de não haver distinção entre os executivos que apenas tomaram decisões equivocadas daqueles que possam ter cometido ilícitos. O tribunal criou um processo específico para avaliar o seguro.
Festejadas politicamente durante anos, as refinarias premium nasceram em 2006. Os projetos surgiram da ideia de processar petróleo pesado nacional, de valor agregado reduzido, para produzir derivados que atendessem especificações internacionais. O termo "premium" trata justamente das características exigidas pelos mercados internacionais (EUA e Europa) em relação aos teores de enxofre.
O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva fez grande uso político dos dois empreendimentos, mas foi sua sucessora quem teve de arcar com as cobranças pelo fracasso dos projetos. Em qualquer visita ao Maranhão e, principalmente, ao Ceará, a presidente ouve cobranças públicas dos políticos locais, que também surfaram por anos a onda de progresso prometida pelas refinarias.
A maioria das cobranças ocorreu nos três anos em que os projetos ficaram parados. Desde a contratação da terraplenagem, em 2010, quase nada aconteceu até julho de 2013, quando a diretoria se deparou com o imenso risco de prejuízo. Para não ter de assumir o fracasso - como acabou fazendo -, foram sugeridos vários ajustes, considerados pelo TCU como insuficientes para colocar de pé os projetos.
O segundo trem de refino da Premium I foi empurrado para 2023; a vida útil das refinarias foi elevada de 25 anos para 40 anos; e a estimativa para a taxa de câmbio foi modificada. A nova projeção era de que a moeda americana estaria custando R$ 1,98 em 2015. De acordo com o TCU, as alterações consideraram um cenário "deveras otimista", que servia apenas para que o cálculo do retorno dos empreendimentos voltasse ao território positivo. A Petrobras não se manifestou.
Pareceres feitos internamente pelo grupo de Estratégia Corporativa da Petrobras alertaram para essa situação. "As análises de sensibilidade que fizeram os VPL (retorno) dos empreendimentos ficarem positivos foram realizadas sob perspectiva otimista em relação ao cenário referencial da companhia", diz um trecho do parecer, reproduzido no relatório de auditoria do TCU.
O parecer interno concluía que, diante da dura realidade dos projetos, a melhor alternativa para a Petrobras seria importar os derivados. "Sob o ponto de vista econômico, afirmou-se que o resultado de VPL negativo das novas refinarias indicavam que, dadas as condições observadas, seria mais atrativo exportar petróleo e importar derivados para atender o mercado interno do que investir em capacidade de refino", revela o tribunal de contas.
Fonte: Valor / Murillo Camarotto