A valorização mais recente do real frente ao dólar já começou a afetar a rentabilidade das exportações da indústria de transformação. O setor manufatureiro teve recuo de 7,4% na margem de ganho dos embarques em março, na comparação com mesmo mês do ano passado. Apesar da valorização da moeda brasileira nas últimas semanas, a taxa de câmbio ainda teve desvalorização nominal de 18% em março, na comparação com igual mês do ano passado.
De março de 2015 a março deste ano, a cotação do dólar subiu de R$ 3,14 para R$ 3,70, pela Ptax média do Banco Central. Esse efeito do câmbio a favor do exportador de manufaturados, porém, foi neutralizado por uma alta de custo de produção de 10,1% e de redução de preços de exportação de 13,6%.
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No acumulado do primeiro trimestre, a indústria de transformação ainda continua com ganho de rentabilidade (4,3%). Isso aconteceu por influência dos dois primeiros meses do ano, quando a cotação do dólar estava mais próxima a R$ 4, com maior nível de desvalorização do real frente ao dólar na comparação com os mesmos meses de 2015. Os dados são da Fundação Centro de Estudos do Comércio Exterior (Funcex).
Para analistas, porém, apesar da queda de rentabilidade com a valorização mais recente do real, o dólar perto de R$ 3,50 ainda permite aos fabricantes de manufaturados manter os planos de exportação. O receio, porém, é de apreciação ainda maior da moeda nacional.
No total das exportações houve recuo de rentabilidade tanto em março, de 12%, quanto no trimestre, de 1,4%, sempre na comparação contra igual período de 2015. André Leone Mitidieri, economista da Funcex, explica que quando se olha o índice de rentabilidade total, há uma grande influência do setor extrativista, que sofreu grande queda na margem de ganho das vendas ao exterior e tem importante representatividade na pauta de exportação. São consideradas pela Funcex nesse setor a extração de petróleo e gás natural, de minerais metálicos e não metálicos.
A rentabilidade do setor extrativista caiu 36,2% em março. O forte recuo aconteceu principalmente por conta da queda de 40,4% do preço de exportação. A desvalorização nominal do câmbio de 18% não foi capaz de neutralizar a queda de preços. Houve ainda a pressão da elevação de custos, de 10,1%. No trimestre, a queda da margem dos embarques do setor alcançou 29,6%. A desvalorização do real no período foi de 36,6%, com recuo de preços de 42,8% e alta de 11,3% no custo de produção.
Nos segmentos não industrializados - agricultura e pecuária, produção florestal e pesca -, a rentabilidade ainda se manteve em ascensão no trimestre, com alta de 5,2%. O custo de produção no período subiu 11,2% e os preços caíram 14,6%. Em março contra igual mês de 2015, porém, houve recuo de rentabilidade de 5,7%, resultado de 10,5% de elevação no custo de produção e recuo de 11,7% no preço das exportações.
No total dos embarques, o preço das exportações caiu 17,8% em março e o custo subiu 10,2%. No trimestre o preço caiu 19,3% e o custo aumentou em 12%. A alta de custo de produção, diz Mitidieri, foi pressionada tanto por insumos importados quanto por salários e serviços, como energia. A elevação desses dois custos no trimestre foi de 16% e 12,4%, respectivamente. Os insumos nacionais, também importantes na mensuração do custo de produção, subiram 11%.
O economista da Funcex estima que, mantido o câmbio com dólar entre R$ 3,50 e R$ 3,55, haverá uma tendência de redução na rentabilidade das exportações, o que pode desestimular os embarques por segmentos menos competitivos. A valorização do câmbio, porém, tende também a reduzir a pressão no custo dos insumos importados.
Mitidieri destaca, porém, que a variação de custo do insumo importado está bem abaixo da desvalorização nominal do câmbio. Isso pode ser explicado, em parte, pela queda em dólar dos preços das importação. Segundo dados da própria Funcex, o preço médio do total das importações brasileiras caiu 8,7% em março e 10,5% no trimestre.
Para José Augusto de Castro, presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB), a valorização mais recente do real para um nível perto de R$ 3,50, apesar de reduzir a rentabilidade dos embarques, não deve desestimular a exportação de manufaturados. A exportação da indústria de transformação, avalia, deve se manter este ano influenciada fortemente pelo embarque de automóveis de passageiros, que cresceu 56,51% de janeiro a março contra igual período do ano passado, para US$ 1,02 bilhão.
Os embarques de automóveis cresceram para vários destinos no primeiro trimestre do ano, segundo dados do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (Mdic). A Argentina foi o principal destino. A venda de carros para os argentinos subiu 45% no trimestre, contra iguais meses de 2015, para US$ 807,29 milhões. Embora em valor bem menor, os embarques para outros países da América Latina também se destacaram.
Castro lembra que o setor automotivo consegue se beneficiar mais rapidamente com a desvalorização cambial porque tem facilidade para deslocar a produção para a exportação. Além disso, o mercado externo é uma alternativa importante para desovar produção em um momento de retração do mercado doméstico para vários segmentos industriais.
Neste momento, diz Castro, ninguém considera mais um dólar a US$ 4 ao fim deste ano, mas algo mais próximo de US$ 3,50, embora haja receio de valorização ainda maior do real por conta da crise política. "O novo câmbio exige um esforço muito maior do exportador na composição do preço, mas hoje as indústrias que tentam exportar querem trocar figurinhas mesmo sem ganhar muito, porque elas não querem reduzir mais o nível de produção."
Silvio Campos Neto, economista da Tendências, também diz que o efeito da valorização mais recente do real não deve afetar o desempenho das exportações no curto prazo. Os contratos são assinados a prazos mais longos e o efeito da oscilação de câmbio é mais lento. Ele destaca que indústrias de vários setores ainda estão neste momento reatando contatos para exportação.
"É algo que ainda está acontecendo e as empresas não abortariam esse processo por um câmbio com dólar perto de R$ 3,50, que na verdade reflete uma nova situação de prêmio de risco decorrente da expectativa de mudança de governo."
Para o economista da Tendências, as exportações poderão apresentar reação mais clara a partir do ano que vem. Para este ano, a tendência mais evidente, diz, é a forte redução das importações e sua contribuição para formação de um superávit comercial. A Tendências, afirma Campos Neto, mantém a estimativa de superávit comercial de US$ 41,8 bilhões (pelos critérios do Mdic) para este ano.
As projeções da AEB vão pelo mesmo caminho. Com estimativa anterior de superávit de US$ 29,5 bilhões, Castro diz que o saldo deve passar dos US$ 40 bilhões, porque as importações mantêm queda maior que a esperada. Mesmo com a valorização do real frente ao dólar, porém, ele mantém expectativa de alta de 2,5% na exportação de manufaturados. Na exportação total, a projeção é de estabilidade em relação ao ano passado.
Para Castro, a leve recuperação dos preços de algumas commodities deve contribuir positivamente para o saldo da balança ao menos nos próximos meses.
Ele exemplifica com o minério de ferro, que foi comercializado em março à média de US$ 25,6 a tonelada. Em abril, até a quarta semana, a média subiu para US$ 32,6. Para Castro, essa reação de preços deve se sustentar pelo menos até o fim do primeiro semestre. A dúvida fica em relação à segunda metade do ano.
Na soja, diz, há recuperação parecida de preços. O grão, que era comercializado a US$ 198,20 a tonelada em março, em média, passou a ser vendido a US$ 168,70 a tonelada na média até a quarta semana de abril.
Fonte: Valor Econômico/Marta Watanabe | De São Paulo