Uma obra de dragagem para o alargamento do canal marítimo próximo aos estaleiros Vard Promar e Atlântico Sul, no Complexo de Suape, que abrange os municípios de Ipojuca e Cabo de Santo Agostinho, Grande Recife, vai exigir a supressão de uma área de mangue. Apesar de a quantidade ser considerada pequena (menos de um hectare - 0,1244 ha), a autorização do Governo de Pernambuco foi encarada com repúdio pelos ambientalistas. Os manguezais são considerados Áreas de Preservação Permanente (APPs), porém, a legislação permite o corte de espécies desse bioma desde que para obra decretada como de utilidade pública ou interesse social. De 2006 até o momento, a Agência Estadual de Meio Ambiente (CPRH) autorizou a supressão de 177,25 hectares de APP em Suape. Nesse contexto, estão inseridos três ecossistemas ameaçados: mata atlântica, restinga e mangue - sendo suprimidos 92 hectares só desse último bioma.
Na avaliação do presidente da Associação Pernambucana de Apicultores e Meliponicultores (Apime), Alexandre Moura, no legislativo pouco ou nada se discute tecnicamente sobre as reais necessidades e consequências dessas autorizações. Para ele, leis que destroem o meio ambiente em Pernambuco sob o argumento do interesse social se tornaram cada vez mais corriqueiras. “Parece contraditório suprimir vegetação de ‘preservação permanente’. Com o argumento dentro da Lei de que haverá compensação ambiental parece que tudo assim pode ser permitido. Todos que aprovam a supressão se sentem sem nenhuma ‘culpa’. Mangue destruído, com supressão da vegetação e sua área ocupada, essa área de preservação permanente jamais será compensada”, critica.
PUBLICIDADE
Para a professora do Departamento de Morfologia e Fisiologia Animal da UFRPE, Adélia Oliveira, as Áreas de Preservação Permanente (APPs), nas quais os manguezais estão inseridos, estão perdendo cada vez mais o seu status. “Em se tratando, especificamente, de Suape, eu vejo que a situação vai piorar muito. Aquela região já está muito comprometida e você só vê a autorização de mais supressões. E, mais uma vez, quem perde nessa história é a natureza. Creio que falta boa vontade e criatividade para discutir soluções alternativas que conciliem preservação e desenvolvimento”, observa.
O diretor de Recursos Florestais e Biodiversidade da CPRH, Walber Santana, explica que nenhum projeto - inclusive, os que incluem supressão vegetal - são autorizados sem antes haver uma avaliação da equipe técnica do órgão ambiental, composta por engenheiros florestais, biólogos, químicos industriais e técnicos ambientais. Segundo o gestor, vários critérios são levados em conta como, por exemplo, a área que vai ser suprimida, quais os impactos ambientais e se é preciso mesmo suprimir a quantidade que o relatório pede. “Não podemos alimentar a ilusão de impacto zero, visto que toda ação humana gera algum tipo de prejuízo ambiental. Por isso, a rigor, exigimos o replantio com espécies do mesmo bioma e na mesma bacia geográfica. Geralmente, a compensação que exigimos chega a ser o dobro do que foi suprimido. Mas, tudo é criteriosamente avaliado antes de validarmos o relatório final apresentado pela empresa”, assegurou. “O que compete à CPRH, dentro da lei, é aplicar medidas que minimizem os impactos ambientais, a exemplo do reflorestamento, e fiscalizar se a compensação está sendo feita por meio de relatórios enviados pela empresa”, reforça o diretor.
REPLANTIO
No caso do Complexo de Suape, cuja área total é de 13,5 mil hectares, a CPRH propôs, pelas características do local, a criação de uma unidade na categoria Área de Relevante Interesse Ecológico (Áries) a fim de preservar uma região de manguezal e restinga. A unidade de conservação fica no estuário dos rios Ipojuca/Merepe, ao sul do Porto de Suape, e tem 1.488 ha - área que chega a ser oito vezes maior que a que foi suprimida. “Já sobre a quantidade de mata atlântica suprimida, que foi de 12 hectares, exigimos o replantio na ZPEC Suape (Zona de Preservação Ecológica de Suape). Já mangue e restinga foram compensadas na Ipojuca/Merepe”, acrescentou Santana. Para viabilizar a restauração da ZPEC, Suape possui um Viveiro Florestal, localizado no município do Cabo de Santo Agostinho, com capacidade para produzir 450 mil mudas de 73 espécies nativas de Mata Atlântica por ano. A zona ocupa 59% dos 13,5 mil hectares do Complexo.
O Decreto nº14.046, de 2010, estabelece a obrigatoriedade de criação de três UCs para compensar as supressões em Suape. A única que saiu do papel até o momento foi a Unidade de Conservação Ipojuca/Merepe. “Ainda está em análise a proposta de criação das outras duas UCs nos Engenhos Ilha e Tiriri”, adianta Walber Santana. Em 2015, foram realizadas, em Suape, manutenções em todas as áreas de restauração florestal com atividades de coroamento, capina, conservação de aceiros, irrigação, replantio, reposição de cercas, adubação e eliminação de espécies exóticas, tanto nas áreas de mata atlântica como nas de restinga.
Impacto fez tubarões migrarem
Porém, não é de hoje que problemas relacionados aos manguezais do Porto de Suape vêm à tona. Em especial produzido pela Folha recentemente, mostramos que a construção do molhe externo para abrigar o píer de granéis, em 1979, culminou no aterro de um trecho entre o continente e os arrecifes para a passagem dos caminhões. Esse aterro acabou por bloquear os rios Ipojuca e Merepe, que deixaram de desaguar na bacia de Suape. E as consequências vieram: a ausência do movimento das marés começou a levar o manguezal à morte - as raízes precisam emergir para respirar. A partir daí, o desequilíbrio ecológico se fez. Sem os mangues, que servem de berço para muitos animais aquáticos, houve impacto na densidade larval de várias espécies, reduzindo a oferta de alimentos e, consequentemente, levando tubarões que frequentavam aquela região a migrarem para o estuário do Rio Jaboatão.
“Com a construção do Porto de Suape, mudou-se toda a dinâmica dos tubarões, que começaram uma verdadeira luta pela sobrevivência. Além de ter diminuído a oferta de alimentos, era no estuário dos rios Ipojuca e Merepe que os tubarões viam uma área tranquila para se reproduzirem. São nos estuários que a salinidade é quase zero, as águas são quentes e rasas, tudo o que eles precisam para ter uma reprodução tranquila”, explica a professora do Departamento de Morfologia e Fisiologia Animal da UFRPE, Adélia Oliveira. O crescimento das atividades do Porto de Suape, ao sul do Recife, fez aumentar o tráfego de navios na região. Atraídos pelos restos de alimentos e dejetos jogados no mar, tubarões seguem as embarcações, aproximando-se da costa pernambucana, um dos motivos que explica o número crescente de ataques.
Fonte:Folha de Pernambuco