A Petrobras tem uma meta audaciosa, dobrar sua produção e alcançar a marca de 4,2 milhões de barris de petróleo por dia em 2020, dos quais 2,1 milhões de barris deverão vir de uma profundidade superior a 5 mil metros, na chamada camada do pré-sal. Mas superar desafios é uma constante na história da agora sexagenária companhia fundada em 3 de outubro de 1953 pelo presidente Getúlio Vargas, após sete anos de intensos debates entre defensores do monopólio estatal e os que defendiam a participação do capital privado na exploração do petróleo brasileiro.
A primeira descoberta significativa de petróleo no país ocorreu em 1939, no subúrbio de Lobato, em Salvador (BA), gerando uma onda de entusiasmo em relação ao potencial petrolífero brasileiro. Em 1946, o presidente Gaspar Dutra propôs o Estatuto do Petróleo, abrindo a possibilidade de participação privada estrangeira na exploração da estratégica commodity, por considerar que não havia no país nem verbas nem técnicos suficientes para uma nacionalização do setor. Como diz o historiador Sergio Lamarão, coautor do livro "Petrobras 50 Anos", o "projeto de lei gerou uma reação imediata dos grupos nacionalistas, que deram início à campanha O Petróleo é Nosso".
Estava instaurado um impasse que gerou muitos debates acalorados na sociedade da época.
Em 1951, o presidente Vargas tentou superar as divergências enviando ao Congresso um projeto de lei propondo a criação da Petróleo Brasileiro S.A. (Petrobras), no formato de empresa de capital misto, com controle da União, permitindo o capital estrangeiro em 10% das ações.
O projeto não estabelecia o monopólio estatal. Curiosamente, quem encampou a defesa do monopólio foi o partido de linha liberal União Democrática Nacional (UDN). "As circunstâncias geraram esse paradoxo. Vargas era a favor do monopólio, mas não tinha as condições políticas de propor a ideia. A UDN viu no monopólio uma oportunidade de abraçar uma causa popular", afirma Lamarão.
A lei nº 2004, de 1953, sancionada por Vargas, criou a Petrobras, empresa de controle nacional, com participação majoritária da União, tendo como objetivo a exploração em caráter monopolista da indústria petrolífera do país.
As operações comerciais tiveram início em 10 de maio de 1954, com a transferência pelo Conselho Nacional de Petróleo para a nova empresa das refinarias de Mataripe, na Bahia, e de Cubatão, que estava sendo construída em São Paulo. A produção de 2.663 barris então atendia a 1,7% do consumo nacional.
Os anos 70 foram conturbados para a indústria petrolífera mundial e para a Petrobras em particular. O Produto Interno Bruto (PIB) crescia a taxas superiores a 10% ao ano. O "milagre econômico brasileiro" tinha sede de petróleo, cujo consumo duplicou. Em 1973, contudo, os xeques árabes subiram substancialmente o preço da commodity, gerando o chamado "choque do petróleo."
No mesmo momento, como lembra Lamarão, as reservas da Petrobras em terra, na região do recôncavo baiano, estavam se esgotando e a companhia vivia um instante de grande incerteza em relação ao seu futuro.
Em 1974 a descoberta do Campo de Garoupa, na Bacia de Campos, no Rio, abriu novas perspectivas. A Petrobras, porém, dependia de tecnologia estrangeira para a exploração em águas na faixa dos 120 metros. Em 1979 ocorreu o segundo choque nos preços do petróleo, agora motivado pela revolução iraniana. Em 1981, as despesas do Brasil com a compra no exterior de petróleo e derivados chegou a US$ 10 bilhões. "As crises do petróleo nos anos 70 levaram o Brasil a buscar alternativas. Uma aposta foi o desenvolvimento do carro a álcool. Outra foi a intensificação da busca de petróleo offshore", lembra Lamarão.
Num primeiro momento, a Petrobras passou a assinar contratos de risco com petrolíferas estrangeiras para a pesquisa e exploração de novas jazidas, marcando a primeira flexibilização em seu monopólio. Ao mesmo tempo, a companhia passou a investir no desenvolvimento de tecnologias de robótica submarina, sensoriamento remoto e perfuração horizontal, que permitiriam a produção em águas ultraprofundas. No final dos anos 80, a companhia tornou-se a primeira no mundo a produzir petróleo em águas abaixo de 500 metros.
Os investimentos em desenvolvimento tecnológico no país se intensificaram, resultando em recordes após recordes de produção em águas profundas, chegando à marca de 1.877 metros em 2000. No momento, os esforços do Centro de Pesquisas da Petrobras estão direcionados ao desenvolvimento de tecnologias que permitirão os trabalhos a três mil metros de profundidade.
Os investimentos da Petrobras em busca de petróleo em águas profundas mudaram o panorama da pesquisa e da indústria brasileira. O centro de pesquisa da companhia, no Rio de Janeiro, é o maior da América Latina, conta com mais de 600 doutores, mestres e engenheiros. Mantém convênio com 120 universidades e já superou a marca de duas mil patentes internacionais solicitadas.
Antonio Müller, presidente da Associação Brasileira de Engenharia Industrial (Abemi), afirma que a demanda da Petrobras é a principal indutora da engenharia brasileira. "Temos 140 associados, 99% atendem a Petrobras", informa Müller.
A vocação da Petrobras em se posicionar como centro de disputas políticas se manteve ao longo de seus 60 anos de história. Em 1997, ao mesmo tempo em que a companhia superava a marca de um milhão de barris diários produzidos, o presidente Fernando Henrique Cardoso promulgou a lei 9.478, que reafirmava o monopólio da União sobre os depósitos de petróleo e gás natural, mas abria o mercado para outras empresas competirem com a Petrobras. A medida trouxe para o Brasil alguns dos grandes players globais e também incentivou a criação de petrolíferas privadas nacionais, como a HRT, OGX e Queiroz Galvão Óleo & Gás.
A nova legislação e uma proposta do comando da companhia para mudar o nome da estatal para Petrobrax, diz Lamarão, foram o estopim para nova contenda política, tendo como pano de fundo a hipótese, sempre negada pelo governo, de que a companhia estava sendo preparada para a privatização.
Em 2007, com a descoberta de jazidas de óleo e gás em águas profundas e abaixo de uma espessa camada de sal, uma nova perspectiva se abriu para a indústria petrolífera do país. Na época, as reservas brasileiras de petróleo somavam 13 bilhões de barris. Com os campos do pré-sal, que ainda estão sendo avaliados, espera-se que esse número seja multiplicado por cinco.
Em 2010, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva promulgou nova legislação, adotando o sistema de partilha na exploração do petróleo do pré-sal, confirmando a União como dona do resultado da produção e determinando que a Petrobras seja a operadora única e com participação mínima de 30% nos consórcios formados para a exploração do petróleo. A medida gerou reação contrária de economistas e políticos liberais, que entendiam que a Petrobras não daria conta do esforço exigido. Atualmente a Petrobras é a 7º companhia de energia do mundo e mantém um plano de investimentos de US$ 236,7 bilhões para o período de 2013 a 2017, um dos maiores orçamentos entre as petrolíferas globais.
Fonte: Valor Econômico/Domingos Zaparolli | Para o Valor, de São Paulo
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