Uso de mão de obra estrangeira em estaleiros nacionais deve crescer nos próximos anos — Especialistas indicam que estaleiros nacionais precisarão ampliar a contratação de engenheiros e técnicos estrangeiros, como soldadores, para acompanhar o crescimento de suas carteiras. Esses profissionais atenderiam a demanda por mão de obra qualificada e com experiência profissional em áreas como na gestão de projetos, que não são facilmente encontrados no Brasil. Segundo Sérgio Leal, secretário executivo do Sindicato Nacional da Indústria da Construção e Reparação Naval e Offshore (Sinaval), o setor vai precisar de pelo menos 40 mil novos empregados para acompanhar o ritmo de modernização, construção e inauguração de estaleiros.
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O executivo afirma que essa carência por mão de obra com determinadas qualificações ficará mais intensa a partir de 2016, à medida que novos estaleiros entrarem em operação e assumirem contratos de construção de embarcações. Segundo Leal, atualmente existem cerca de 80 mil pessoas trabalhando em estaleiros no país e, até 2020, esse número deverá subir para 120 mil.
Sérgio Leal lembra que os estaleiros estão formando a própria mão de obra em solda, maçarico e em outras áreas. “Acredito que muita gente vai sair de outros setores da indústria para trabalhar na indústria naval. São pessoas que terão que passar por cursos para se adaptarem à rotina e às novas necessidades do setor. Mesmo assim, ainda vão precisar contratar técnicos de outros países”, avalia. Para o secretário executivo, o movimento de migração não será restrito a apenas funções técnicas, mas também às áreas de gestão.
A formação de mão de obra demanda tempo. Um curso técnico do Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai) dura quase quatro anos. O curso superior de engenharia naval dura em média cinco anos. “O Brasil não forma profissionais suficientes para atender a demanda que o mercado exige no segmento de óleo e gás. Você não vê vagas sobrando no mercado. Estão todos empregados. E é um mercado que movimenta bilhões de dólares, o risco é muito alto para as empresas esperarem a chegada de novos profissionais”, avalia Idalmir Luz, responsável pelo departamento de embarcações marítimas e gestão de clientes e imigração da EMDOC – empresa especializada na área de imigração para o Brasil, transferência de brasileiros para o exterior e relocation.
De acordo com dados do Ministério da Educação apresentados no início do ano, a nota de corte mais alta do Sistema de Seleção Unificada (Sisu) do primeiro semestre de 2014, dentre as entidades participantes de alguma forma do processo seletivo, foi a do curso de Engenharia Naval da Universidade Federal do Pará (UFPA), com 869,15 na ampla concorrência (e 746,44 entre os cotistas). A Engenharia Naval e Oceânica da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) ficou em quarto lugar no ranking, com nota de corte em 783,17, abaixo apenas de Engenharia Aeronáutica e Engenharia Aeroespacial. “As engenharias foram as áreas em que os alunos tiveram que ter o melhor desempenho para entrar, até mais do que economia e medicina”, destacou o ministro Aloizio Mercadante durante a divulgação do resultado.
Para o diretor do Centro de Engenharia Naval e Oceânica do Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT) do Estado de São Paulo, engenheiro naval Carlos Padovezi, os cursos de engenharia das melhores universidades do país responderam ao aumento de demanda de formação de engenheiros, nas várias áreas. “As lacunas de profissionais nacionais serão rapidamente preenchidas porque está havendo uma resposta ágil das universidades e dos cursos técnicos, como Senai. O problema do gap, em que claramente se detecta falta de profissionais experientes em algumas áreas, vai ser resolvido com o tempo e com boa administração”, diz.
A estimativa sobre a demanda futura por mão de obra estrangeira vem, de certa forma, na contramão ao que está sendo registrado de forma geral no mercado de trabalho. O Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) aponta que o número de autorizações temporárias de trabalho a estrangeiros no Brasil cresceu 11,6% de 2010 a 2013, para 59.428. Apesar da alta registrada a comparação de um período de quatro anos, o pico na emissão de vistos nos últimos anos foi em 2011, quando foram concedidos 66.391 vistos, desde então esse número vem caindo ano a ano. No ano passado, o MTE emitiu 2.959 autorizações permanentes de trabalho.
Dentro do segmento de autorizações temporárias, 18.707 estrangeiros (cerca de 31,47% dos 59,4 mil) foram autorizados a trabalhar no país por até 90 dias enquanto 18.992 (31,9% do total) conseguiram autorização de trabalho de até um ano. As autorizações com prazo de até dois anos com contrato no país somaram 6.216 (10,45%) enquanto as com prazo de até dois anos sem contrato de trabalho chegaram a 15.513 (26,1%).
Segundo Idalmir Luz, da EMDOC, muitas companhias da indústria naval solicitam vistos temporários para profissionais de assistência técnica durante a fase de construção e início de operação dos estaleiros e também para o trabalho de transferência de tecnologia. “Muitas empresas buscam funcionários em outros países para a etapa de construção de estaleiros. A vantagem é que esses especialistas já trabalharam em projetos no mundo todo e conhecem as dificuldades do setor”, diz.
As autorizações temporárias do MTE concedidas para assistência técnica pelo prazo de até 90 dias, sem vínculo empregatício, somaram 6.404 no ano passado – valor 50,1% inferior ao ano anterior, quando atingiu o pico de concessões dos últimos quatro anos, e 20,2% menor que quatro anos antes. Por outro lado, de 2010 até o ano passado, as autorizações para assistência técnica, cooperação técnica e transferência de tecnologia, sem vínculo empregatício, cresceram 82,3% para 7.755. Já as autorizações para especialista com vínculo empregatício chegaram a 5.949 no ano passado, alta de 68,9% sobre 2010.
Em dezembro do ano passado, cerca de 50 decasséguis, brasileiros descendentes de japoneses que migraram para o Japão, trabalhavam no EAS. Esse número já chegou a 150. O estaleiro quer aprender com ele a aumentar a própria produtividade. De acordo com Otoniel Silva Reis, presidente da companhia, um estaleiro no Japão consegue processar 10 mil toneladas de aço por mês com dois mil funcionários. No Brasil, com seis mil funcionários, o EAS processa cerca de 5 mil toneladas de aço por mês.
— O EAS utiliza profissionais japoneses com certa frequência. Os estrangeiros trabalham em todas as áreas. Tem gente que faz a parte final da estrutura de soldagem, porque são soldas completamente diferentes das que a gente vê em serralherias. Muitos trabalham também no nível gerencial. Mas hoje existem poucos japoneses em comparação com brasileiros — diz Idalmir Luiz, da EMDOC.
O EAS informa que grupos de profissionais participam periodicamente de intercâmbio com o Japão. O programa inclui visitas técnicas e treinamento no estaleiro Japan Marine United Corporation (JMU), sócio e parceiro tecnológico do Atlântico Sul. “O objetivo da iniciativa é aprimorar as técnicas de produção naval, multiplicar o conhecimento e aumentar a produtividade do estaleiro pernambucano. A parceria com os japoneses tem gerado resultados positivos também no que diz respeito à criação de programas voltados à otimização da produção do EAS”.
A Dinain do Brasil, que tem como acionistas as espanholas Dinain e Abance, desenvolve projetos de engenharia básica de navios e planos de manutenção de navios, com base em experiência adquirida em trabalhos na área naval militar, junto às marinhas da Índia, Malásia, Austrália e Chile. A companhia tem planos de utilizar engenheiros espanhóis para formar mão de obra no Brasil. “Para isso, registramos um Contrato de Transferência de Tecnologia pelo qual vamos formar mão de obra no Brasil, trazendo engenheiros da Espanha. A ideia é trazer coordenadores para as áreas de tubulação e eletricidade, dentre outras, para formar brasileiros.”
O objetivo é formar mão de obra local para atender os projetos em marcha no Brasil. “O motivo de trazer funcionários da Espanha é que eles possuem muita experiência no desenvolvimento de projetos. Experiência tanto teórica como prática, já que muitos deles trabalharam em estaleiros e seguiram de perto a produção dos navios desenhados pelas nossas sócias Dinain e Abance. Este know how não pode ser desperdiçado. E pode ajudar muito no crescimento da mão de obra local”, diz Juan María Lago, diretor da Dinain do Brasil. Para o executivo, seria “ilógico” não aproveitar o conhecimento de profissionais com mais de 20 anos de experiência no mercado de construção naval.
Apesar de especialistas e executivos do mercado verem a necessidade de importação de mão de obra, uma pesquisa realizada pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) divulgada em novembro do ano passado, realizada em parceria com a Universidade de São Paulo (USP) e a Associação Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI), aponta que “não há apagão de engenheiros no Brasil”. Segundo a pesquisa, quatro fatores podem explicar o que muitos acreditam seja escassez: a qualidade dos engenheiros formados (uma vez que a evolução na quantidade não teria sido acompanhada pela qualidade), o hiato de gerações (o que dificulta a contratação de profissionais experientes), déficits em competências específicas e por regiões.
Carlos Padovezi, do IPT, concorda com os resultados do levantamento do Ipea. “Os resultados eram os que eu imaginava. A engenharia brasileira passou por um período de baixa valorização e em consequência houve uma menor procura dos cursos e uma fuga dos formandos para outras áreas, notadamente a área financeira, que aprendeu a gostar de contratar engenheiros. A partir do momento em que há valorização da profissão, com maior oferta de empregos e maiores salários, há uma tendência de melhores estudantes voltarem para a engenharia”, ressalta.
Segundo Padovezi, a contratação de profissionais estrangeiros é necessária no atual período de transição da indústria naval. “A experiência dos anos 70 mostrou um rápido aprendizado e adaptação à área de construção naval por parte dos engenheiros e técnicos brasileiros. Infelizmente, houve uma interrupção deste processo com a derrocada da indústria naval nos anos 80 e 90.” Para ele, o Brasil não deve ter medo de utilizar profissionais estrangeiros em momento e em setores que convenha. “Só teremos a ganhar”, acredita.
Idalmir Luz, do EMDOC, lembra que apesar das vantagens de se contratar mão de obra experiente de outros países, toda empresa tem que obedecer a proporção de dois brasileiros, para cada estrangeiro contratado. A determinação está no artigo 354 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). “A lei é de 1943 e foi criada para proteger a mão de obra local contra os estrangeiros que desembarcavam no porto de Santos em busca de oportunidades no Brasil. Eram pessoas sem qualificação. A realidade hoje é diferente”, diz Luz.
Mariângela Moreira, diretora e sócio-fundadora da Mundivisas, empresa de serviços para a gestão e assistência no processo de transferência temporária ou definitiva de estrangeiros para o Brasil, explica que o trabalho de estrangeiros nos estaleiros nacionais é regido por três resoluções normativas (RN) do MTE. “Para isso, temos que observar as condições que irão decorrer da relação contratual e o tipo de atividade que virão a exercer.” Ela cita a RN 61, que trata da prestação de serviços técnicos contratados com empresa estrangeira, pelo prazo máximo de um ano (prorrogável) e vincula ao cumprimento de um programa de treinamento para mão de obra local. Já a RN 100, para execução de serviços técnicos especializados, concede prazo máximo de 90 dias. “Em ambas, o vinculo empregatício/contratual do estrangeiro é com a pessoa jurídica estrangeira responsável pela execução dos serviços.” A RN 99 permite contrato de trabalho por prazo determinado de dois anos, onde o critério estabelecido é por nível de escolaridade, experiência profissional e justificativa da necessidade de mão de obra estrangeira.
Para Mariângela Moreira, o governo federal vem trabalhando com sucesso para reduzir a burocracia e o prazo para concessão dos vistos, mas ainda há muito o que fazer. “Os prazos para emissão do visto podem variar de acordo com a repartição consular brasileira no exterior, por motivos de variação na demanda e estrutura para o atendimento de cada repartição consular”, afirma. “Já avançamos muito. No caso do visto temporário V de 90 dias (RN 100), antes era necessário autorização previa do MTE, o que acrescia o prazo em 30 dias aproximadamente.” Segundo Mariângela, hoje, com intuito de acelerar o processo, o conselho dispensou a necessidade de autorização previa do ministério, ficando apenas o prazo do consulado brasileiro para processar a analise e emitir o visto.
Mariângela cita também a implementação do MTE pelo processamento eletrônico. Isso reduziu o prazo de conclusão do processo para obtenção da autorização de trabalho que, era de cerca de 30 a 40 dias, para 20 dias em media.