Fonte: Foha de São Paulo/DAVID FRIEDLANDER JULIO WIZIACK DE SÃO PAULO
Numa carta enviada em março à direção da Sete Brasil, o ex-presidente da empresa João Carlos Ferraz admite pela primeira vez que recebeu US$ 1.985.834,55 em propina dos estaleiros que trabalham para a companhia na construção de sondas de exploração do pré-sal.
Ferraz afirma ter aceito as "gratificações" num "momento de fraqueza", em que era pressionado por colegas. Ele não esclarece quem pagou nem quem o pressionou. Diz que não pegou nada além do que declarou e pede um número de conta bancária para devolver o dinheiro.
A Sete foi criada pela Petrobras para administrar as sondas do pré-sal. Além da própria estatal, tem como sócios um grupo de bancos e fundos de pensão estatais.
Até a confissão de Ferraz, apenas o ex-gerente da Petrobras Pedro Barusco, um dos delatores da Operação Lava Jato, tinha falado em propinas na Sete Brasil.
A carta do executivo foi enviada à equipe interna da Sete que auditou a companhia depois de Barusco ter revelado à Justiça que o esquema de corrupção na Petrobras foi repetido na Sete.
A empresa estima que as propinas somaram US$ 224 milhões. Segundo depoimento de Barusco, dois terços foram para o ex-tesoureiro do PT João Vaccari Neto. O restante foi dividido com gente da Sete e da Petrobras, como o ex-diretor Renato Duque.
No mês passado, a Sete abriu um processo, que corre em segredo de Justiça, contra Ferraz. A empresa pede que seu ex-presidente devolva R$ 22,2 milhões, valor que inclui os recursos desviados, sua indenização pela rescisão contratual e os bônus pagos por desempenho no período em que comandou a companhia.
Há cerca de duas semanas, Ferraz tentou um acordo com a Sete para pôr fim ao processo. Propôs devolver menos da metade do que é cobrado, mas os acionistas da companhia não aceitaram.
Em sua carta, o executivo assume ter recebido propina entre maio e dezembro de 2013. Afirma que, fora esse episódio, não haveria mais nada que pudesse "macular suas demais atividades" na empresa, realizadas com "zelo e competência".
Para "mostrar boa-fé", como ressalta na carta, Ferraz se comprometeu a dar uma procuração para que a Sete checasse a "inexistência de outros valores depositados no exterior a partir de sua posse como diretor da empresa".
CONTA NA SUÍÇA
Primeiro presidente da Sete Brasil, Ferraz ficou no cargo de dezembro de 2010 até maio de 2014. Ele e Pedro Barusco, ex-diretor de operações da companhia, eram colegas na Petrobras e foram indicados pela estatal para a diretoria da Sete, que estava sendo montada.
Ferraz deixou a Sete porque parte dos acionistas não estava contente com seu desempenho. Saiu levando indenização de R$ 11,5 milhões, mas tentara receber quase o dobro.
No fim de 2014, em acordo de delação, Barusco afirmou que ele, Ferraz e o também ex-diretor da Sete Eduardo Musa tinham combinado o pagamento de propina com os estaleiros EAS, Brasfels, Jurong, Enseada e Rio Grande.
Disse também que os três tinham conta na Suíça, onde o dinheiro era depositado. De acordo com Barusco, os estaleiros contratados pela Sete pagariam de 0,9% a 1% do valor de construção de cada sonda, em troca dos contratos.
Barusco recebeu 0,1% a mais dos estaleiros Jurong e Brasfels sem que os parceiros soubessem porque, segundo seu depoimento à Justiça, "achava injusta a distribuição diante do fato de ter sido um dos principais responsáveis pelo projeto".
Ao todo seriam feitas 28 sondas, orçadas em US$ 22 bilhões. Depois de prontas elas seriam alugadas à Petrobras. O envolvimento da Sete com a Lava Jato acabou comprometendo a empresa, que hoje está paralisada em processo de reestruturação.
Executivo não se manifesta; estaleiros negam
A Folha tentou diversas vezes falar com o ex-presidente da Sete João Carlos Ferraz, mas ele não quis conversar com a reportagem.
Na primeira vez, atendeu o telefone, disse que não podia falar e desligou. Houve mais duas tentativas frustradas no dia seguinte.
Na carta enviada à Sete, em que admite ter recebido propina de estaleiros, o executivo disse ter sofrido pressão duas vezes para entrar no esquema, mas não identifica quem o pressionou.
Afirma ter rechaçado a abordagem no primeiro momento, mas que, em 2012, passou a receber "avisos em tom intimidatório de que seria mais seguro para ele aceitá-las [propinas]". Além disso, seria mais vantajoso para todos envolvê-lo na operação, "de modo a blindá-la".
Eduardo Musa, ex-diretor de participações, foi questionado por telefone sobre os US$ 786 mil supostamente recebidos do estaleiro Jurong. Ele não quis responder nem indicar um advogado para discutir o assunto com a reportagem.
ESTALEIROS
O estaleiro Enseada afirmou, em nota,"que nunca fez ou recebeu qualquer pagamento indevido no âmbito de seus contratos nem tampouco recebeu ou atendeu a qualquer solicitação neste sentido". A Engevix, sócia do Rio Grande, diz que "está prestando os esclarecimentos necessários à Justiça".
Também em nota, o EAS disse que "não identificou quaisquer pagamentos que comprovem o envolvimento da companhia". A empresa informou ter contratado consultoria jurídica e forense para averiguar o caso.
O Jurong não respondeu até o fechamento desta edição.
A reportagem também não conseguiu contato com Brasfels nos telefones e e-mail disponíveis na página da empresa na internet e na lista telefônica. (DV e JW)
Raio-X Sete Brasil
A EMPRESA
Foi criada em dezembro de 2010 para construir 28 sondas de perfuração que serão alugadas à Petrobras para exploração do pré-sal
PRINCIPAIS SÓCIOS
BTG Pactual, Bradesco, Santander, fundos de pensão estatais, FI-FGTS e Petrobras
LAVA JATO
Em delação, Pedro Barusco, ex-executivo da Petrobras e da Sete, afirmou que ele, outros diretores das empresas e o ex-tesoureiro do PT João Vaccari Neto receberam dinheiro dos estaleiros contratados para fazer as sondas
ESTALEIROS
Já contratou Jurong, Brasfels, Enseada, Rio Grande, EAS e Atlântico Sul
CONFISSÃO
O ex-presidente da Sete João Carlos Ferraz admitiu ter recebido quase US$ 2 milhões de estaleiros que trabalham para a empresa e propôs devolver o dinheiro
SITUAÇÃO
A ligação com a Lava Jato impediu a empresa de receber um financiamento de US$ 9 bilhões do BNDES. Em junho, sócios e credores da Sete chegaram a um acordo para injetar dinheiro na empresa
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