Consultores da área de combate a emergências ambientais enxergam uma série de desafios para agilizar o acionamento de estruturas de resposta a derramamentos de óleo no Brasil. A avaliação é que o vazamento no Nordeste, independente do responsável, seria o grande teste para aplicação do plano nacional de contingência para incidentes de poluição por óleo (PNC). No entanto, o plano instituído há seis anos ainda necessita de dispositivos para seu acionamento de forma mais rápida. Com produção da ordem de três milhões de barris diários de petróleo, perspectivas de aumento de produção e atividade intensa no transporte de óleo e derivados, especialistas lembram que, até hoje, não existe um manual que torne operacional o decreto 8127/2013 que criou o PNC.
A leitura é que falta um plano estruturado, integrado e com definição de quem vai suprir a demanda por pessoal e equipamentos. “O que existe hoje é um decreto que define papéis de forma geral. Mas falta um Plano, um documento que descreva objetivamente os possíveis problemas encontrados, as soluções e os atores responsáveis pelas ações correspondentes, com nomes e contatos”, observa o gerente de operações técnicas da Hidroclean, Pedro Campos. Ele compara essa lógica de funcionamento à lógica dos planos de emergência individuais (PEIs), para caso de vazamento de óleo em empreendimentos, bem como para os planos de área, que são o degrau seguinte no escalonamento de uma emergência agravada. “Por que não seria assim para o PNC, que é o último degrau dessa escada?”, indaga.
Uma ação civil pública assinada por procuradores da República em todos os estados atingidos pediu o acionamento do PNC. Na última quarta-feira (30), o Tribunal Regional Federal da 5ª Região concedeu liminar parcialmente favorável ao Ministério Público, determinando a inclusão de representantes dos órgãos estaduais de meio ambiente do comitê de suporte do PNC. Em audiência na Justiça Federal em Sergipe nesse mesmo dia, o MPF apresentou proposta de acordo judicial à União, Ibama e ANP para que fosse cumprido integralmente o que determina o decreto que estabelece o PNC. A Justiça concedeu 10 dias de prazo para que as partes analisem o acordo proposto pelo MPF. “Já que a União considera que o plano está em execução, propusemos um acordo para que ela cumpra integralmente as determinações legais, com acompanhamento do MPF em todos os estados”, explicou Ramiro Rockenbach, procurador da República que assina a ação.
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No episódio do derramamento de óleo que chegou à costa brasileira há mais de dois meses, o acionamento do PNC foi prejudicado porque o culpado pelo vazamento demorou a ser identificado. O consultor para emergências ambientais da ARPEL (Associação Regional que congrega empresas do setor de petróleo e gás e biocombustíveis da América Latina), Marcus Lisbôa, avalia que essa indefinição sobre o responsável prejudica a contratação de toda estrutura de resposta. Lisbôa sugere um fundo de compensação que poderia obter recursos, por exemplo, de um percentual pequeno dos royalties da exploração. Hoje não há previsão dessa modalidade de destinação de recursos.
O consultor acredita que esse tipo de acidente estaria coberto por um fundo específico se o Brasil fosse signatário da CLC/1992. No entanto, o país é signatário de uma convenção mais antiga (CLC/1969) junto com cinco países sem relevância nessa atividade, como Líbia e Cazaquistão. Ele considera que as empresas poderiam cooperar com um fundo que tivesse acesso a equipamentos no mundo todo. Mais de 100 países são signatários de ambas as convenções (CLC 92 e Fundo 92), enquanto cerca de 30 são signatários do fundo suplementar.
Mobilização — Hoje, a maior dificuldade para mobilizar os equipamentos deve-se à indefinição de quem arcará com os gastos dessas contratações. O PNC prevê que as despesas do PNC com implantação, manutenção e monitoramento e ações de resposta a incidentes correrão à conta de dotações orçamentárias específicas alocadas no orçamento geral da União, observados os limites anuais de movimentação e empenho e de pagamento, devendo as ações de resposta a qualquer incidente de poluição por óleo repassadas ao agente poluidor. Lisbôa observa a política brasileira de combate à poluição marinha na direção contrária da maioria dos países do mundo. "O modelo de resposta utilizado pelo Brasil está na contramão dos outros países, principalmente no que é relacionado à quantidade de barcos", comentou Lisbôa, que foi gerente de planos de crise e contingenciamento da Petrobras. Ele compara que no Golfo do México, com 2.400 plataformas, existem somente seis embarcações dedicadas, enquanto no Brasil a licença de exploração e produção exige barcos de apoio praticamente ao lado da plataforma.
No Brasil, a Petrobras e demais operadoras têm contratados cerca de 50 embarcações de recolhimento (OSRVs), que custam US$ 20 mil por dia cada, consumindo óleo combustível e queimando dióxido de carbono (CO2), o que representa um gasto da ordem de US$ 365 milhões por ano. Além disso, as regras brasileiras impedem o compartilhamento de embarcações de apoio e estruturas de respostas e a divisão de custos entre operadoras. A avaliação de especialistas é que uma permissão nesse sentido possibilitaria às empresas trazer recursos diferentes, como embarcações compartilhadas pelas operadoras ou aeronave para aplicação de dispersantes.
A estrutura do PNC é composta por 17 ministérios e 14 órgãos vinculados. A Marinha participa do comitê executivo, do grupo de acompanhamento e avaliação (GAA) e do comitê de suporte. A Diretoria de Portos e Costas (DPC) atua no GAA e no comitê executivo. No GAA, a DPC mantém articulação com representantes do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), que completam o grupo. O GAA produz relatórios diários com dados sobre movimento das correntes, dos óleos, das correntes submersas e diversas direções que são imprevisíveis. O último boletim do GAA destacou que os estados do Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba e Pernambuco permaneciam com as praias limpas na segunda-feira (4). Já as localidades ainda com vestígios de óleo e com ações de limpeza em andamento eram: Maragogi, Japaratinga, Barra de São Miguel e Coruripe, em Alagoas; Artistas, Aruana, Mosqueiro, Náufragos, em Sergipe; Jacuípe, Itacimirim, Flamengo, Barra Grande, Cairu, na Bahia.
De acordo com o último levantamento feito pelo Ibama, foram contabilizadas, aproximadamente, 4.200 toneladas de resíduos de óleo retirados das praias nordestinas, até segunda-feira (4). O descarte desse material é feito pelas secretarias estaduais de meio ambiente. No mesmo dia, três navios partiram do Rio de Janeiro em direção à região Nordeste, entre eles o porta-helicópteros multipropósito Atlântico, o navio doca multipropósito Bahia e a fragata Liberal. Esses navios levam mais de dois mil militares, sendo 725 fuzileiros navais, e oito aeronaves. A operação é realizada com participação das forças armadas, além de agências federais, estaduais e municipais, ações humanitárias relacionadas ao meio ambiente, cooperação na recuperação de áreas atingidas e monitoramento das praias e águas jurisdicionais brasileiras.