O Porto de Tubarão completou 50 anos de existência, em Vitória, na capital do Espírito Santo. Desde a inauguração, no dia 1 de abril de 1966, são muitas as histórias de poluição. Com o progresso econômico, o porto trouxe o incômodo com o pó preto e o passivo do minério, constantes nas reclamações dos moradores da Grande Vitória.
Entenda o que é o pó preto que polui o ar e o mar de Vitória há anos
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De acordo com a Vale, empresa que administra o Complexo de Tubarão, o espaço reúne atualmente oito usinas de pelotização, operações portuárias para o embarque de minério de ferro, pelotas, produtos agrícolas e o desembarque de carvão.
História
A construção do porto começou quando a Vale ainda era Companhia Vale do Rio Doce (CVRD), antes da privatização da estatal. A construção começou na década de 60 e foi inaugurada no dia 1 de abril de 1966.
No jornal A Gazeta do dia 2 de abril, a manchete era: "Castelo Branco inaugurou Tubarão sem falar". O presidente da Vale na época, Oscar de Oliveira, falou sobre as finalidades da obras e o que representava para o desenvolvimento econômico do Espírito Santo.
O presidente do Brasil na ocasião, Marechal Castelo Branco, apenas apertou um botão que colocou a máquina em funcionamento. Segundo o jornal, a inauguração de Tubarão reuniu o maior número de autoridades federais já vistas no estado.
Entre eles: o Presidente da República, o ministro das Minas e Energias, o ministro da Marinha, o ministro de Viação e Obras Públicas, o governador de Minas Gerais, o chefe da Casa Militar da Presidência da República, embaixadores de diversos países e brigadeiros.
Na época, a preocupação com o meio ambiente era pouco expressiva para as grandes empresas. Quando foi inaugurado, e até meados dos anos 80, a CVRD jogava o resíduo do minério do mar, além da poluição do ar. Anos depois da sua operação no Espírito Santo que a empresa passou a se preocupar com os malefícios ao meio ambiente e à saúde da população.
Poluição histórica
O engenheiro ambiental e membro da Associação dos Amigos da Praia de Camburi (AAPC), Paulo Pedrosa, contou que, desde jovem, na década de 70, viu a poluição na Grande Vitória.
"Desde sempre quando passava perto, via a poluição. Quando a Vale só operava com duas usinas, na Mata da Praia, onde eu morava, os vidros já brilhavam. A gente vivia com os vidros fechados em 1970. Você via aquele melado de metal brilhando", disse.
Pedrosa também explicou que o resíduo de minério que era jogado do mar continua em Camburi. "Em 1980, eles mudaram o processo e pararam de jogar diretamente. Isso não quer dizer que hoje ainda não caia, mas é corrigido quando acontece. Mas todo o material, de 1966 a 1980, continua lá".
Segundo o ambientalista, existem alternativas para a retirada do resíduo mas que ainda não foram implementadas pela Vale, atual responsável pelo Porto de Tubarão. "A gente quer que o passivo da Praia de Camburi seja retirado. A gente quer que a coisa seja feita de verdade", afirmou.
Os ambientalistas tinham encerrado as conversas com a Vale em 2011, quando não conseguiram avançar as negociações.
"Agora, em 2016, mudou a diretoria da empresa e nos convidaram para conversar sobe o assunto. Os novos diretores mostraram interesse em resolver os problemas ambientais. Em países sérios, a Vale já teria sido fechada, e eles sabem disso. Uma hora vai atrapalhar o serviço deles", pontuou.
Pedrosa e os outros membros da AAPC apresentaram aos gestores da Vale os estudos que fizeram para a retirada do passivo da Praia de Camburi. "A gente realizou uma série de estudos no local, passamos todo o aparato ambiental. Agora, depende da empresa tentar resolver isso. Até que seja resolvido vamos continuar batendo", completou.
Praia de Camburi
Em 1988, o satélite Spot-L detectou, juntamente com técnicos do Rio de Janeiro, a existência de uma grande quantidade de ferro na Praia de Camburi, principalmente no final da orla. Na época, a CVRD afirmou que desde junho de 1987 não lançava qualquer resíduo sólido de minério no mar e que o minério nas areias era resultado de épocas anteriores.
Apesar dessa afirmação, a situação não era diferente em 2015. Mais de 20 anos depois, o pó preto vindo do Porto de Tubarão continua deixando a areia escura em Vitória.
As exigências para que o problema fosse resolvido também são antigas. Em fevereiro de 1989, a CVRD anunciou que ia parar de poluir a região em dois anos. Especialistas japoneses foram para o Porto de Tubarão estudar alternativas para reduzir a emissão de poluentes.
Embora os investimentos tenham sido realizados e anunciados nos anos seguintes, o problema não foi resolvido totalmente. No ano de 1997, a CVRD anunciou um investimento de U$ 60 milhões com o meio ambiente.
Os problemas continuaram recorrentes e podem ser vistos até os dias atuais. Um exemplo disso foi a interdição de parte das atividades do Porto de Tubarão no dia 21 de janeiro de 2016 pela Polícia Federal.
A operação tinha relação com as investigações sobre os crimes ambientais decorrentes da emissão de poluentes atmosféricos e de partículas sedimentadas, o conhecido pó preto, no mar e no ar da Grande Vitória.
Ar e mar
O pó preto que polui o mar e o ar é, segundo especialistas, uma mistura das partículas de minério de ferro (exportado) e carvão (importado), que passam pelo Porto de Tubarão.
Para o ambientalista Paulo Pedrosa, a poluição atmosférica só vai acabar quando as empresas do Porto de Tubarão pararem de jogar poluição pelas chaminés. "Se você parar para olhar em Vitória, o índice de problemas respiratórios é grande. É um clima tropical, o clima é ameno, venta bastante. Não devia ter esses problemas respiratórios", afirmou.
Pedrosa acredita que a presença do Ferro e do Arsênio em grande quantidade agrava o quadro de doenças degenerativas. "Não estou dizendo que as doenças degenerativas como Alzheimer e Parkisson são causadas pela poluição, mas ela contribui, é um dos agravantes", completou.
População
As reclamações da população também são antigas. Em 1996, um casal que morava na Ilha do Boi já acumulava o pó de minério no seu apartamento. "Toda a parte lateral, que fica em constante contato com o vento, está literalmente preta. A impressão que se tem, à primeira vista, é de que o lustre sobreviveu a um incêndio e foi instalado no local", disse na ocasião.
No mesmo bairro, 20 anos depois, um morador decidiu registrar o momento que lavava as telas de proteção do apartamento onde mora. No vídeo, é possível ver a poeira que sai ao lavar as telas.
Ele usa uma mangueirinha de chuveiro e o líquido preto e grosso começa a descer pela tela e se acumula na banheira. “Coloquei telas em meu apartamento em decorrência de uma dengue. De 15 em 15 dias a doméstica lava e relata a sujeira. Decidi fazer a limpeza e me assustei”.
Em 2001, uma moradora da Ilha do Frade relatava os problemas: "enfrentamos esse problema há cinco anos e nada foi resolvido. Sofro de rinite e o meu filho de asma. É um absurdo que não tenham solucionado isso".
Em 2015, um morador do mesmo bairro acumulou o pó preto que chegava em sua casa durante sete dias. O resultado foi a mesa, o banco e uma bancada tomadas por um pó fino e escuro. “A Ilha do Frade não tem carros e nem construção civil, então toda a poluição é proveniente da indústria”, disse na época.
Também em 2015 um morador da Enseada do Suá juntou o pó preto acumulado por 24 horas em um pote. A quantidade de minério que se juntou impressionou o homem.
Programação especial
Para lembrar os 50 anos de poluição causada pelo Porto de Tubarão, a Associação dos Amigos da Praia de Camburi preparou uma série de ações. "Primeiro fizemos uma ação, passando o passivo no corpo. Nós estamos programando mais atividades para esses 50 anos de degradação. Vamos fazer um bolo de minério. Esse ano vai ser de muita mostragem de poluição, não vamos ficar na zona de conforto", disse Pedrosa.
Vale
Em nota, a Vale informou que atualmente, "uma proposta de recuperação do extremo Norte da Praia de Camburi, realizada com base em parecer técnico do Iema, está em discussão junto aos órgãos ambientais e demais autoridades competentes para que, em breve, seja dada uma solução para a questão", diz.
Sobre a questão do pó preto, o posicionamento é que a Vale continua buscando melhorias nos seus processos de controle ambiental.
Fonte: Do G1 ES/Viviane Machado