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Receitas alternativas e projetos de infraestrutura

Em recente visita ao país, o presidente do Banco Mundial, Jim Yong Kim, afirmou que o Brasil não tem condições de arcar com os investimentos necessários para sanar os gargalos de infraestrutura do país. Não foi por outra razão que, nos idos da década de 90, o Estado brasileiro se reposicionou na economia, transferindo para o setor privado atividades indevidamente exploradas pelo setor público (artigo 1º, incisos I e IV, da Lei nº 9.491/1997 - lei que alterou o Programa Nacional de Desestatização). Se essa foi a razão que justificou a delegação de serviços públicos para a iniciativa privada, por meio de contratos de concessão - uma das modalidades de desestatização -, é evidente que não cabe ao poder público, em manifesta postura contraditória, exarar interpretações que militem em desfavor da exploração de formas alternativas de financiamento desses contratos pelos particulares.

É, justamente, o que vem ocorrendo com as interpretações que a administração pública vem conferindo ao artigo 11 da Lei nº 8.987/1995 (Lei Geral de Concessões de Serviços Públicos). Esse dispositivo autoriza que o poder concedente preveja, em favor do concessionário, a possibilidade de auferir receitas alternativas, complementares, acessórias ou de projetos associados, com vistas a favorecer a modicidade das tarifas. Trata-se de mecanismo de financiamento do serviço concedido, que não onera os seus destinatários (usuários), nem o poder público (nas hipóteses de concessões comuns subsidiadas e de parcerias púbico-privadas).


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Tais receitas podem guardar, em razão das externalidades do serviço público prestado, relação direta com o contrato de concessão (a exemplo da exploração da faixa de domínio em rodovias), ou terem vinculação indireta (como na exploração de empreendimentos imobiliários associados à concessão de um VLT).

Não cabe ao poder público exarar interpretações contra a exploração de formas alternativas de financiamento

Ocorre que, não raro, reguladores se posicionam no sentido de que essas receitas: (i) só poderiam ser vocacionadas à redução tarifária, e não ao lucro do concessionário; e (ii) não poderiam ser implementadas durante a execução do contrato de concessão. Tais entendimentos, contudo, não se coadunam com o regime jurídico da exploração dessas receitas ancilares.

Isto porque se trata de atividades econômicas em sentido estrito, exercidas no âmbito da liberdade de iniciativa (artigo 170, caput e parágrafo primeiro da CRFB), as quais, embora vinculadas, não estão submetidas ao regime do serviço púbico concedido. Daí porque não cabe à administração pública se imiscuir na sua exploração, nem, tampouco, expropriar direito dos concessionários.

Pois bem. O primeiro entendimento, no sentido de que todas as receitas acessórias obtidas pelo concessionário devem ser revertidas à modicidade tarifária desconsidera, por completo, o próprio parágrafo único desse dispositivo, o qual determina que essas receitas sejam obrigatoriamente consideradas para a aferição do inicial equilíbrio econômico-financeiro do contrato de concessão. Ora, se tais receitas integram o equilíbrio econômico-financeiro da concessão, é porque devem ser revertidas não só à modicidade das tarifas, como à "justa" remuneração do concessionário - interpretação consagrada, por exemplo, no artigo 108, §2º, da Lei nº 9.472/1997 (Lei Geral de Telecomunicações). Afora isso, interpretação nesse sentido desestimularia o concessionário a explorar essas atividades (como já observado, pelo TCU, no Acórdão nº 393/2002 - Plenário), o que poderá, inclusive, exigir o dispêndio de recursos públicos. Esse dispêndio poderá ter maiores impactos no equilíbrio econômico de parcerias público-privadas, sobretudo na modalidade de "concessão administrativa", considerando que a sua remuneração envolve integralmente o aporte de recursos públicos.

O segundo entendimento, no sentido de que essas receitas só poderiam ser exploradas pelo concessionário se originalmente previstas no edital de licitação (de acordo com uma interpretação literal do artigo 18, VI, da Lei nº 8.987/1995) também não se coaduna com o próprio regime dos contratos de concessão. Isto porque, na qualidade de contratos relacionais, os pactos concessórios são regidos pelo princípio da mutabilidade, o qual autoriza que esses ajustes venham a se adaptar às circunstâncias supervenientes, para melhor atenderem ao interesse público. Além disso, esse entendimento violaria o princípio da modicidade tarifária (previsto no artigo 6º, §1º, da Lei nº 8.987/1995), já que parte das receitas obtidas pelo concessionário será, necessariamente, destinada à modicidade tarifária.

Caso tais interpretações venham a prevalecer - em âmbito administrativo, ou judicial -, a administração pública, além de violar os princípios da eficiência e da economicidade, estará colaborando para a retração de investimentos no país.

Fonte: Valor Econômico/Rafael Véras de Freitas é professor de regulação na FGV Direito Rio e sócio do LL Advogados

 






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