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Levantamentos hidrográficos: classificação e fatores para qualidade

Por Francisco Silveira

• Nas operações portuárias, o conhecimento das profundidades dos canais de acesso, áreas de manobra, fundeio e berços de atracação é fundamental para garantir que a folga abaixo da quilha (FAQ) é verdadeira para um determinado calado e, consequentemente, garantir a segurança à navegação. Neste sentido, a obtenção de levantamentos hidrográficos de qualidade é essencial para que as profundidades medidas possam ser registradas nas cartas náuticas, permitindo sua atualização.


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Introdução

É através de Levantamentos Hidrográficos (LH) que a medida das profundidades é feita e, como toda medição direta ou indireta, os LH têm uma incerteza intrinsecamente associada às medidas de profundidade obtidas. Não se pode assumir os valores medidos como verdadeiros sem que se leve em conta sua incerteza, ou seja, em que medida estes valores representam a verdade.

O objetivo deste texto é auxiliar na compreensão das especificações dos LH, principalmente da Ordem Especial, e os fatores que influenciam na qualidade dos resultados.

Classificação dos levantamentos hidrográficos

A normatização dos LH e a confecção e atualização de cartas náuticas é de responsabilidade da Marinha do Brasil, através do Centro de Hidrografia da Marinha (CHM) e da Diretoria de Hidrografia e Navegação (DHN). Desta forma, é obrigação legal dos executantes solicitarem permissão para o LH e enviarem os dados levantados para análise pela DHN, que é também o fiel depositário destes dados. Após a análise a DHN divulga se o LH pôde ser aproveitado para atualização de carta náutica.

A Organização Hidrográfica Internacional (OHI) classifica os LH em Ordem Especial, Ordem 1a, Ordem 1b e Ordem 2. Para atribuição da prioridade na análise dos dados a DHN adicionou a classificação por categorias: Categoria A, quando o levantamento tem o objetivo de atualização de carta náutica e Categoria B, caso o objetivo não inclua a atualização da carta náutica.

Os levantamentos com o objetivo de atingirem a Ordem Especial são os que têm as especificações mais rígidas e, portanto, demandam maior atenção aos fatores que determinam sua qualidade.

Para os LH Ordem Especial, é necessário que o resultado tenha as seguintes características:

• Recobrimento completo do fundo em 200%. Toda a área deverá ter, no mínimo, duas vezes as profundidades levantadas sem que haja falha no recobrimento;

• Incerteza Horizontal Total (IHT) máxima de dois metros;

• Incerteza Vertical Total (IVT) máxima de 25 a 39 cm em função da profundidade (considerando um máximo de 40 m de profundidade);

• Registro de feições cúbicas maiores que um metro, com registro de, em média, nove pontos por metro quadrado;

• Posicionamento de auxílios visuais e topografia relevante para a navegação: 2 metros com nível de confiança de 95%;

• Posicionamento da linha da costa e de topografia menos relevante para a navegação: 10 metros com nível de confiança de 95%;

• Posicionamento de auxílios à navegação flutuantes: 10 metros;

• Caracterização geológica do fundo através de coleta de amostras.

Figura 1 – Recobrimento completo do fundo.

Para que se atinja da Ordem Especial todos estes requisitos devem ser atendidos.

Fatores para a qualidade do LH

Vários são os fatores que influenciam na qualidade do resultado de um LH. É essencial que haja um planejamento rigoroso do levantamento e um acompanhamento da qualidade durante sua execução para que se minimize a possibilidade de problemas na coleta dos dados. Pode-se dividir em categorias os componentes do levantamento para resumir os fatores que influenciam no sucesso final do LH:

• Equipamentos: a escolha de equipamentos com capacidade de executar o levantamento dentro das características pretendidas. Os equipamentos que compõem o sistema para LH de Ordem Especial são: ecobatímetro multifeixe, sistema de posicionamento GNSS com correção em tempo real, sistema inercial, smart sensor – sensor de velocidade do som na interface entre o transdutor do ecobatímetro e a água e perfilador de velocidade do som.

• Estudo prévio e registro da maré: o registro da variação da maré durante o levantamento é essencial para que se possam reduzir as medidas de profundidade ao Nível de Redução (NR) local. O LH deve ser precedido por um estudo para avaliar a necessidade de zoneamento de maré na área a ser levantada. Caso não exista estação maregráfica no local, é necessário que se estabeleça uma a partir de um período mínimo de 32 dias de registro ininterrupto de maré. A técnica de redução de maré em tempo real com uso do sistema GNSS RTK Tide é útil para que se possa fazer o controle da qualidade durante o levantamento, porém seu uso ainda não dispensa o registro de maré e o confrontamento dos dados levantados com registros de maré.

• Nivelamento do Marégrafo: o marégrafo a ser ocupado deve ter sua instalação referida ao NR através de nivelamento geométrico executado entre a régua do marégrafo e, no mínimo, três Referências de Nível. Em caso de instalação de uma nova estação meregráfica o procedimento deve ser realizado para que se estabeleçam cinco RNs a partir dos estudos da maré previamente registrados. O registro do nivelamento e a descrição da estação maregráfica devem seguir as normas estabelecidas.

Figura 2 – Diagrama de instalação de marégrafo



• Registro dos offsets na instalação dos equipamentos: o levantamento é uma medição que tem como referencial o NR local e o sistema de coordenadas geodésicas, porém a relação do sensor que mede as profundidades com estes referenciais se dá com a intermediação de outros equipamentos – sistema GNSS de posicionamento, sistema inercial, que mede as inclinações e a própria embarcação, que é a plataforma de coleta dos dados. O registro preciso das posições destes dispositivos e sua relação na montagem do conjunto é inserido no software de coleta de dados, minimizando erros sistemáticos.

Figura 3 – Registro dos offsets do sistema



• Calibração do sistema: previamente ao levantamento o sistema de medição deve ser verificado e calibrado, efetuando-se um patch test. Este procedimento eliminará os erros sistemáticos ainda presentes por deficiência na medição dos offsets. O patch test deve ser refeito sempre que os equipamentos forem montados na embarcação ou quando os resultados do levantamento apresentarem características de erro sistemático.

• Perfil de velocidade do som: por se tratar de uma medição indireta através de ondas sonoras, a velocidade de propagação do som na água é elemento crítico para a precisão do levantamento. O equipamento para o LH deve possuir sensor que meça em tempo real a velocidade do som próximo à face do transdutor do ecobatímetro. Além disso, um perfil de velocidade do som da coluna d’água deve ser coletado antes do início do levantamento e sempre que as características da massa d’água se alterarem significativamente.

• Geometria da coleta: como o multifeixe emite os pulsos sônicos para medição das profundidades em formato de leque, é importante que se observe a relação da abertura do feixe com a profundidade local para que se obtenha a densidade necessária de pontos medidos.

Figura 4 – Perfil batimétrico de boa qualidade



É importante que existam procedimentos para a execução do LH, para que não haja diferenças significativas nos resultados com a eventual mudança de equipe. Além disso, os registros da operação e backup de dados devem ser feitos diariamente.

O planejamento cuidadoso do LH com a definição prévia de suas especificações, o acompanhamento da atenção dada à preparação e a verificação da qualidade dos dados durante a fase de execução pode fazer a diferença entre um levantamento de sucesso ou a perda de investimentos e prazos.

Referências

• NORMAN-25 (REV.1), Marinha do Brasil, Diretoria de Hidrografia e Navegação, 2014

• Publicação Especial Nº44: Especificações da OHI para Levantamentos Hidrográficos, 5ª Ed., 2008.

• http://www.mar.mil.br/dhn/chm/ <acesso em 18/11/2016>

Francisco Silveira é Engenheiro Cartógrafo, Mestre em Engenharia da Computação e MBA em Gestão Empresarial. Possui mais de 15 anos de experiência em levantamentos e monitoramento ambiental e em outras atividades ligadas à cartografia, além de pesquisa e desenvolvimento em aquisição e processamento de sinais e desenvolvimento de equipamentos e processos. Atuou em várias posições, desde engenheiro de campo e pesquisador a gestor de contratos e equipes comerciais e técnicas em diferentes instituições. Atualmente é diretor da Aster Engenharia.








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