Em dez anos, a balança comercial da indústria de transformação passou de superavitária, com saldo de US$ 24,06 bilhões em 2004, para deficitária, com resultado negativo de US$ 63,5 bilhões no ano passado. A deterioração foi generalizada. De 19 setores industriais que o Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi) acompanha, 8 tinham déficit na balança comercial em 2004.
No ano passado, foram 14 com saldo negativo. O número de segmentos que conseguiram elevar a exportação em relação ao ano anterior caiu de 15 em 2004 para 5 no ano passado.
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A comparação feita pelo Iedi mostra o impacto do período de valorização do real frente ao dólar sobre a indústria doméstica. Rogério César de Souza, economista do Iedi, destaca que há dez anos os saldos negativos se concentravam mais em setores industriais mais intensivos em tecnologia e nos quais o déficit era mais explicado pelo alto grau de importação, como por exemplo farmacêutica, material de escritório e informática, equipamentos de TV e comunicação e instrumentos médicos de ótica e precisão.
Segundo o levantamento, esses quatro segmentos totalizavam déficit de US$ 9,26 bilhões em 2004. Dez anos depois o saldo negativo dos mesmos setores se ampliou para US$ 31,53 bilhões. Souza destaca que a valorização da moeda nacional deu maior ritmo às importações e tirou o fôlego das exportações.
O efeito disso, no entanto, não foi somente aprofundar o resultado negativo de quem já tinha déficit. No decorrer dos últimos dez anos, setores menos intensivos em tecnologia, como têxteis, couros e calçados, assim como segmentos tradicionalmente superavitários, como o setor automotivo, passaram a apresentar balança comercial negativa.
O setor têxtil, de couros e calçados, que exibia superávit de US$ 3,79 bilhões em 2004, amargou saldo negativo de US$ 2,15 bilhões no ano passado. O segmento automobilístico contribuiu há dez anos com o terceiro maior superávit entre os segmentos da indústria de transformação, com resultado de US$ 5,67 bilhões. Em 2014, o déficit foi de US$ 9,55 bilhões.
O relatório classifica por intensidade tecnológica os 19 segmentos da indústria de transformação acompanhados pelo Iedi. Em 2004, o déficit se concentrava mais no grupo dos setores de maior intensidade tecnológica. A exceção ficou por conta do segmento de aeronáutica e aeroespacial, que se manteve superavitário em 2014. O saldo positivo, porém, encolheu de US$ 1,76 bilhão para US$ 1,02 bilhão.
O setor em que mais se generalizou o déficit foi o de média-alta intensidade tecnológica. Em 2004, dois dos cinco segmentos apresentaram saldo comercial negativo. Com déficit nos segmentos de produtos químicos e máquinas e equipamentos elétricos, o grupo tinha saldo negativo total de US$ 2,52 bilhões. No ano passado, o déficit se estendeu para os segmentos de veículos automotores, equipamentos ferroviários e máquinas e equipamentos mecânicos. O saldo negativo do grupo saltou para US$ 59,48 bilhões.
O relatório do Iedi destaca que dos 19 ramos, 12 registraram déficit com vendas externas em queda. O estudo salienta também os setores importantes que tiveram superávit no ano passado, mas com exportações declinantes. É o caso do segmento de alimentos industrializados, bebidas e fumo, que fecharam 2014 com saldo positivo de US$ 34,2 bilhões, mesmo com queda de 6,5% nas exportações em relação ao ano anterior.
Foi esse segmento que contribuiu decisivamente para o superávit de US$ 38,1 bilhões no setor de baixa intensidade tecnológica, o único com saldo positivo no ano passado, dentre os quatro grupos de classificação usados pelo Iedi.
Para Souza, os déficits persistentes da indústria e o agravamento da situação em novos setores mostram que o câmbio não é a única variável importante para as empresas recuperarem exportações. "O câmbio é um fator importante, mas é uma saída de curto prazo. No médio e longo prazo são necessárias mudanças estruturais que deem à indústria maior competitividade e a possibilidade de participar das cadeias globais de valor."
A desvalorização cambial, diz o economista, deve favorecer o exportador brasileiro, ao mesmo tempo em que o ritmo de importação deve cair este ano em razão de uma economia doméstica menos aquecida. O fator câmbio, porém, diz ele, deve ter efeito relativo, com o desaquecimento de economias importantes, como China, Europa e Argentina. Os Estados Unidos, diz ele, devem ter maior demanda, mas o exportador brasileiro enfrentará grande concorrência.
Fonte: Valor Econômico/Marta Watanabe | De São Paulo