Recentes visitas dos presidentes da Itália e da França à Argentina tiveram o mérito de recolocar o país presidido por Mauricio Macri no centro das atenções europeias. Tais visitas ocorreram em momento oportuno, o da esperada retomada dos entendimentos das negociações birregionais que vêm se arrastando há mais de uma década. As efetivas medidas do novo governante argentino, visando recompor a economia interna e as relações internacionais do país, parecem ter desfeito a incógnita de participação efetiva do país no acordo, não obstante tenha integrado a oferta do Mercosul aprovada no final de 2015. Em apenas três meses, Macri deu início ao processo de reverter a agenda eminentemente doméstica, adotada desde o início do século pelos mandatários anteriores, para uma efetiva abertura ao exterior.
Por outro lado, o acordo com o Mercosul parecia ter perdido relevância na agenda europeia por força de problemas econômicos, financeiros e políticos que vêm assolando aquela Comunidade - concentração nas negociações do TTIP com os EUA, assistência financeira alemã a governos deficitários, novos vínculos com a economia chinesa e a necessidade de encontrar solução para os problemas com a Rússia e a Ucrânia.
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No Mercosul, ao contrário, a aproximação comercial com os europeus adquiriu, nos últimos tempos, caráter prioritário pelos governos do Brasil, Paraguai e Uruguai, agora mais do que reforçado pela nova postura argentina e consolidando posição comum dos quatro sócios originais.
Mais prático será cuidar da competitividade para que o possível acordo com a UE não agrave mais ainda nossos problemas
Contudo, a visita a Buenos Aires da coordenadora diplomática da União Europeia, a italiana Frederica Mogherini, deixou transparecer às autoridades locais o forte empenho da Comunidade em acelerar entendimentos com o Mercosul, consubstanciados numa efetiva troca de ofertas, até o momento em "banho-maria". As recentes reformas argentinas na área administrativa das importações e a disposição de saldar seus débitos internacionais, ainda que de forma parcial, avalizam a disposição do país de retornar às relações externas confiáveis e garantir juridicamente os investimentos externos europeus.
Porém, nem tudo são flores, pois, segundo o mestre Cartola "as rosas não falam, simplesmente exalam perfume". Após a desejada troca de ofertas é que começa, efetivamente, a negociação propriamente dita envolvendo temas mais importantes do que as eliminações tarifárias, tais como: regras de origem, barreiras não tarifárias, normatizações sanitárias e fitossanitárias, serviços, compras governamentais e investimentos, entre outros. Os compromissos decorrentes do documento de Bali sobre facilitação de comércio certamente integrarão o rol substantivo do acordo.
São temas mais palatáveis para os europeus, exceto no que tange ao efetivo desmantelamento das tarifas europeias e dos preços referenciais incidentes sobre os produtos agropecuários, além do cancelamento dos subsídios agrícolas e, principalmente, nos famigerados "padrões privados" que tendem a infernizar a vida dos exportadores que almejam acessar aquele mercado.
Assim, há duas questões básicas em jogo. Do lado europeu, especula-se qual será o conteúdo da proposta sobre bens agropecuários que equilibrem a oferta do Mercosul próximo a 90% do valor de comércio, com ênfase na desoneração dos bens industrializados. Especula-se, também, que a pressa europeia para trocar ofertas até junho deste ano está centrada na coordenação das negociações no Mercosul, que está por conta do Uruguai neste primeiro semestre, uma vez que, na segunda metade do ano, a presidência pro tempore caberá à Venezuela, que está fora do acordo.
Diplomatas brasileiros asseguram que não haverá transtornos porque aquele país delegará poderes de coordenação para o sócio seguinte, no caso a Argentina. Ver para crer.
Certamente o ponto mais crítico dessas negociações está centrado na atual e futura situação da economia brasileira. Nos últimos anos observa-se, além do desmantelamento macroeconômico, uma crise de competitividade do produto industrializado brasileiro em face do agravamento persistente do chamado custo Brasil. Sem desoneração da cadeia produtiva voltada às exportações, a eterna carência de financiamentos às vendas externas, o persistente atraso na inovação tecnológica, logística ineficiente e resquícios burocráticos persistentes estão condenando o país a estacionar seu comércio externo nos míseros 1% em relação às transações globais.
A queda nos preços das commodities, a vultosa crise fiscal, o recrudescimento inflacionário, os índices negativos de desempenho da economia e o rebaixamento do grau de investimento brasileiro pelas agências de classificação de risco, completam um painel alarmante para as empresas brasileiras sujeitas à acirrada competitividade que um acordo dessa natureza impõe à economia do país.
Nesse cenário, torna-se absolutamente crítico o engajamento permanente do setor empresarial brasileiro no acompanhamento dessas negociações. Internamente também, com o firme empenho de atuar nas diversas esferas públicas para que o país reduza a brecha competitiva que o separa do mundo desenvolvido e, até mesmo, de vizinhos em franco desenvolvimento.
A queixa empresarial mais constante com relação à carência do Brasil em negociações mais amplas de livre comércio é pertinente, porém insolúvel enquanto perdurar as amarras vigentes no Mercosul. Mais prático será cuidar seriamente da competitividade nacional para que o possível acordo com a União Europeia não agrave ainda mais nossos problemas.
Será que, para que isso ocorra teremos que dispensar o sabor dos vinhos de Mendoza e passarmos a degustar a nova vodka argentina?
Fonte: Valor Econômico\Mauro Laviola é vice-presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB)