O acordo a que chegaram os membros do cartel de países produtores de petróleo, a Opep, mais a Rússia, apoiado depois pelos ministros de Energia do G-20, corrige um erro, tenta construir um piso para os preços, mas não deve ir muito além disso. Mesmo sendo o maior acerto para restrição da oferta feito até hoje, com a meta de retirar de circulação 9,7 milhões de barris por dia em maio e junho, o consumo reduziu-se bem mais, em 35% de um total de cerca de 100 milhões barris por dia. Só o declínio do mercado equivale a mais do que a produção total da Opep, de 27,5 milhões de barris diários em março, quando os efeitos da covid-19 não se faziam sentir com força.
Os preços do petróleo caíram abaixo dos US$ 20 o barril, após uma guerra de preços insana executada pela Arábia Saudita contra a Rússia em plena derrocada da demanda mundial, em nova atitude infantil do impulsivo príncipe saudita Mohammed bin Salman. Nenhum dos produtores saiu ganhando com isso, nem sequer os consumidores, hoje às voltas com o confinamento nas maiores cidades dos Estados Unidos, Europa e América Latina. As cotações voltaram para a casa dos US$ 30 o barril, metade das do início do ano. A uma média de US$ 34 o barril durante o ano, a Arábia Saudita verá suas receitas petrolíferas se reduzirem em 50% em relação a 2019, uma perda de US$ 105 bilhões (Financial Times). A essa cotação, os sauditas também não obtêm o preço de equilíbrio fiscal do petróleo, de mais de US$ 50 o barril, insuficiente para evitar aumento do déficit em suas contas, entre as quais se incluem pesados gastos militares e subsídios de toda ordem.
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O acordo, porém, trouxe para uma reunião multilateral quem não gosta delas, o presidente Donald Trump, em plena campanha eleitoral. Trump pousou de patrocinador do entendimento, após ter pressionado seus aliados sauditas e seu rival-amigo, Vladimir Putin, da mesma forma que encorajou o G-20 a apoiá-lo. Os EUA se tornaram os maiores produtores do mundo, com 13,5 milhões de barris por dia em 2019 e a derrocada das cotações tornou inviável a produção do shale, mais cara e apoiada por empréstimos muitas vezes alavancados. Boa parte dessa indústria está em apuros, e em risco os milhares de empregos que gera. Trump agiu para evitar prejuízos maiores à indústria.
As cotações, que inicialmente reagiram com altas moderadas à proximidade do acordo, perderam fôlego. O auge das restrições, de 9,7 milhões de barris, ocorrerá só a partir de maio, enquanto que o escoamento de petróleo até lá encontrará gargalos sérios na capacidade de armazenagem, que se aproxima do limite. Países como Índia e Japão se comprometeram a aumentar reservas estratégicas, o que dá algum alívio nos preços, mas não muito. Os EUA, impedidos de combinar quantidades ou preços por uma severa lei contra cartéis, disse que sua produção irá dançar segundo a música do mercado, que é fúnebre. Ou seja, não ofertará algo como 2 milhões de barris por dia este ano, segundo o Departamento de Energia.
Pelo plano traçado, de junho em diante a restrição de oferta se reduzirá a 7,7 milhões de barris diários até o fim do ano, e de 2021 até abril de 2022, a 5,8 milhões de barris. É possível que ele não saia do papel ou seja desprezado pela realidade. Um dos motivos é a falta de lealdade ao compromissos por parte da Rússia, que diz uma coisa em público e faz outra em privado, ou seja, desconfia-se que cortará menos que 2 milhões de barris por dia que prometeu.
Ainda que tudo siga de acordo com esse cronograma, resta o coronavírus. Não se sabe quando os grandes centros consumidores sairão do quase estado de sítio a que se submeteram livremente. A China garantiu sozinha 80% do aumento do consumo no ano passado e neste ano seu papel possivelmente será mais modesto. A retomada econômica começou, mas de maneira lenta e ao que tudo indica com potência contida pelo efeito da redução enorme da demanda externa e pelo risco não desprezível de surgimento de novos focos da infecção no país à medida que as restrições vão sendo relaxadas.
Que um acordo para reduzir a produção que corresponde, por exemplo, a eliminar toda a produção da Arábia Saudita por dois meses, não tenha produzido efeitos imediatos e significativos nas cotações demonstra a profundidade do mergulho da economia mundial. O mais provável é que as cotações só reajam para valer quando a peste do coronavírus estiver sob controle, mesmo que precário, e as principais economias comecem a se mover novamente.
Fonte: Valor