Associação avalia que, nesse período, houve mudanças significativas no tamanho das embarcações, no perfil de cargas e diminuição do controle do governo sobre atividade. Propostas para desenvolvimento do modal ganharam destaque a partir do PL que resultou no BR do Mar, que aguarda definição há mais de um ano
A Associação Brasileira dos Armadores de Cabotagem (Abac) projeta que a definição e consolidação da política setorial será determinante para garantir a continuidade do crescimento do modal no Brasil. A associação, que completa 50 anos neste domingo (12), faz um balanço de que o marco regulatório da navegação (Lei 9.432/1997) sedimentou a atração de investimentos ao setor, que conseguiu modernizar a frota e alavancar a movimentação de cargas ao longo de cinco décadas. Na próxima semana, a associação vai promover um debate sobre as políticas setoriais e como o transporte aquaviário se conecta ao desenvolvimento da economia brasileira.
O diretor-executivo da Abac, Luis Fernando Resano, lembra que, nesse período, houve mudanças significativas no tamanho das embarcações, no perfil de cargas transportadas e a diminuição do controle do governo sobre a atividade em relação à época da extinta Superintendência Nacional da Marinha Mercante (Sunamam), que autorizava os armadores a operar no transporte de cabotagem, concentrando a regulação e a gestão do Fundo da Marinha Mercante (FMM).
As primeiras pautas da associação estavam relacionadas à remuneração de estivadores, contramestres, consertadores e conferentes; o reajuste das tarifas dos fretes; as alterações das linhas de cabotagem; os custos dos óleos combustíveis e lubrificantes; e os direitos ao Adicional de Frete para Renovação da Marinha Mercante (AFRMM). Um dos motivos da criação da Abac foi acabar com a conferência de fretes, que designava os navios que realizariam o transporte marítimo de cargas. O governo controlava quem fazia o transporte e direcionava investimentos em infraestrutura e no modal marítimo.
Para Resano, houve uma mudança de chave quando o transporte marítimo passou a ser totalmente privado, sem interferência do governo. No transporte terrestre, o governo continua predominantemente construindo estradas que podem vir a ser concedidas à iniciativa privada. No modal marítimo, o governo hoje concede outorgas e cuida da fiscalização das empresas brasileiras de navegação (EBNs), a fim de cobrar um serviço adequado e com modicidade.
“Foi uma mudança radical. O governo na época dizia o que teria de cabotagem, e não o mercado e empresários do que era viável. Esse foi um dos motivos da derrocada da Sunamam. O poder central controlava tudo e os empresários faziam o que interessava. Quando não interessava, as rotas acabavam ficando obsoletas e as rotas não eram atendidas adequadamente”, resgatou Resano em entrevista à Portos e Navios.
Ele lembrou que, na época da Sunamam, os índices de inadimplência eram elevados e havia muitos navios obsoletos que não tinham mais condições de atender à demanda com eficiência. Resano disse que a Lei 9.432/97 representou uma abertura para que fossem criadas empresas e outras acabaram compradas por companhias estrangeiras.
Também em 1997, foi aprovada em assembleia a fusão dos serviços administrativos da Abac com o Sindicato Nacional das Empresas de Navegação Marítima (Syndarma), sendo mantida sua identidade jurídica, dentro de uma política para maior união dos armadores e redução de despesas. Essa fusão durou até junho de 2019, quando a Abac decidiu deixar o Syndarma. A decisão de deixar o sindicato teve como foco a necessidade de concentrar a agenda no desenvolvimento da cabotagem, que ocupa um lugar cada vez mais expressivo no cenário nacional. Nesse período, se intensificaram as discussões no setor sobre uma política para o desenvolvimento da cabotagem.
A maior parte da frota de cabotagem em 1973, quando a associação foi criada, era de navios para transporte de carga geral (104), petroleiros (20) e graneleiros (13), que somavam 610.00 toneladas de porte bruto (TPB) e 15 anos de idade média. A frota atual, com dados de 2022, segue com 15 anos de média de idade e totaliza 104 embarcações, porém atingiu 1.865.480 TPB, com unidades bem maiores, e está mais diversificada: 21 porta-contêineres, 10 navios de carga geral, 9 petroleiros, 8 graneleiros, 3 navios químicos, além de 16 rebocadores/empurradores e 37 barcaças.
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O modelo mais intervencionista do Estado começou a mudar a partir da Constituição de 1988, que possui um artigo sobre o transporte ‘aquático’ e gerou projetos de lei que culminaram com o atual marco regulatório da navegação, a Lei 9.432/1997. A navegação saiu do controle estatal e as EBNs passaram a ser entendidas como as empresas com outorga e direito de explorar o transporte com embarcações que ela tivesse interesse em ter.
Antes da criação da Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq), o Departamento de Marinha Mercante, vinculado à Secretaria Nacional de Transportes Aquaviários, exercia o papel de agência reguladora do setor. Com a criação da Antaq em 2001, o governo deixou de ter interferência sobre a atividade, passou a ser regulador. “A ideia era criar uma agência de transporte. O país desde aquela época sempre foi ‘rodoviarista’. Nós da área marítima lutamos para que houvesse uma agência dedicada ao transporte aquaviário e foi criada a Antaq. Ela dá muita atenção para o porto, mas cuida do transporte aquaviário”, analisou Resano.
A associação considera que a Lei 9.432/1997 deu a segurança jurídica necessária para as empresas investirem e abriu a possibilidade do investimento externo. “Significou que houve irrigação de ‘dinheiro bom’ na navegação. O mercado brasileiro é atrativo. Não é à toa que os estrangeiros estão aqui. A Lei 9.432/97 trouxe a fixação do capital no Brasil através da aquisição de embarcações de propriedade da empresa brasileira”, destacou Resano. Antes, na época da Sunamam, somente com dinheiro do governo através do FMM.
Resano acredita que não houve demanda relevante do segmento de cabotagem para indústria naval no Brasil porque, com o boom do petróleo, os estaleiros nacionais se dedicaram a essa atividade e faltou espaço e, consequentemente, foram perdendo qualificação para construir navios, enquanto na Ásia, países como China e Coreia do Sul, se especializaram em fazer navios de carga em série, sobretudo conteineiros e graneleiros, com navios ‘na prateleira’. “O cenário foi se adequando à realidade e nos acomodamos onde podíamos ter maior participação”, avaliou.
Ele acrescentou que, como as companhias que controlam as EBNs possuem capital estrangeiro e possuem ratings fortes, elas conseguem financiamento a condições semelhantes às oferecidas no Brasil pelo FMM. “Se uma empresa como a Aliança precisa de um navio afretado a casco nu tem a sombra da Maersk, há mais disponibilidade de recurso e de aceitabilidade do mercado de negócios”, exemplificou.
A Abac entende que o fator determinante para a criação e consolidação de uma nova linha de navegação é quando as empresas verificam que o sistema é economicamente viável do transporte. Recentemente, a Mercosul Line trouxe um novo navio para aumentar o serviço do BRACO. Resano ressaltou que essa movimentação ocorreu em função de uma demanda, e não por imposição ou interferência governamental.
A Abac defende que a vinda do capital estrangeiro seja atrelada à fixação de divisas no país, por meio da exigência do navio na propriedade brasileira. “Lutamos muito no BR do Mar, fomos contrários à abertura do afretamento a casco nu porque é um incentivo à EBN não ter propriedade de navio. Essa medida [abertura] é ruim porque desincentiva a constituição de frota própria”, afirmou Resano.
Ele acredita que, se houvesse uma abertura maior da atividade, poderia haver a fuga de carga doméstica pura para o transporte rodoviário, sobrecarregando estradas e o modal marítimo ficaria restrito a cargas de importação e de exportação para poder concentrar em portos de seu interesse. “Se a cabotagem fosse aberta, provavelmente, as empresas que vêm frequentemente colocariam navios seus para fazer transporte doméstico”, disse o diretor-executivo.
Mais de um ano após a edição da Lei 14.301/2022, que cria o programa de cabotagem do governo federal (BR do Mar), há expectativa no setor quanto à regulamentação da nova legislação. Resano explicou que, desde a tramitação do projeto de lei, os empresários ficaram reticentes aguardando uma melhor definição do cenário para poder investir, entre outros motivos, porque existia possibilidade de uma linha mais liberalizante.
A Abac vai promover, na próxima quinta-feira (16), no Rio de Janeiro (RJ), um seminário sobre as perspectivas e desafios para a cabotagem, com foco no crescimento da economia e na importância do modal na matriz de transporte brasileira. O evento vai debater o atual cenário político e as mais recentes regulamentações da cabotagem no Brasil.
“O empresário precisa de uma definição. Seja liberalista, seja nacionalista, seja trabalhista. Podemos ir na linha que o governo definir, mas tem que definir. Porque, depois de definido, as mudanças acabam sendo pequenas, para correção de rumo, não são radicais. Hoje, estamos na expectativa e temos mantido diálogo com a Secretaria Nacional de Portos e Transportes Aquaviários (SNPTA)”, ressaltou Resano.