A Deicmar, a segunda maior operadora de terminal de veículos no Brasil, pediu ao governo a suspensão do leilão do Saboó no porto de Santos, que promete ser um dos mais concorridos. A licitação irá consolidar cinco áreas em um terminal para movimentação de veículos e cargas gerais, conteinerizadas ou não. Mas, segundo a empresa, a minuta do edital está "viciada e direcionada para ser um terminal de contêineres" porque os critérios de operação tornam a movimentação de veículos e de carga geral acessória e sem rentabilidade.
Se o governo não alterar o edital, sustenta a Deicmar, irá gerar um monopólio da operação de veículos no porto em favor do outro terminal especializado nesse nicho em Santos, o TEV, da Santos Brasil, o maior do país. Procurada, a Santos Brasil informou que não se pode falar em monopólio porque a minuta de edital do Saboó fixa uma movimentação mínima obrigatória de 104 mil veículos por ano. E destina, também obrigatoriamente, 42,3% da área total a cargas rolantes (como veículos) e a carga geral.
A Deicmar já opera um terminal especializado em veículos e carga geral solta em uma área do Saboó, praticamente do mesmo tamanho da que será reservada para as mesmas finalidades no reordenamento da região. Hoje, o volume efetivo da empresa está em 200 mil veículos por ano, quase o dobro do mínimo que o edital determina. O contrato está prestes a vencer e a companhia estuda entrar na disputa.
O critério para vencer a licitação será a menor tarifa de estiva e de capatazia para cargas rolantes e para carga geral solta. O prazo do contrato é de dez anos e a estimativa de receita no período é de R$ 1,2 bilhão.
Nos dois anos iniciais do contrato, quando ainda não está prevista a operação de contêineres, o fluxo de caixa será negativo em R$ 46 milhões. A melhora na rentabilidade só vem em 2016, quando é anexada uma área para movimentação de contêineres cujas tarifas, no edital, não são objeto de desconto. "Vai ser necessário praticar um preço irrisório para ganhar a licitação com subsídio cruzado, ou seja, o subsídio do veículo está vindo pelo contêiner. É um terminal de contêiner travestido de terminal para cargas rolantes", diz Gerson Foratto, diretor da Deicmar.
Outros três argumentos contribuem para a tese. O navio-tipo estabelecido no edital é de carga geral/contêineres; o tamanho de cais é insuficiente para os navios especializados em cargas rolantes; e os principais usuários desse mercado não foram ouvidos nos estudos que estimaram o volume de cargas, o que iria na contramão do discurso do governo de que porto é para servir à indústria.
A Deicmar diz que a Anfavea e os armadores, os principais clientes do terminal de veículos, não foram ouvidos
Na carta enviada à Secretaria de Portos (SEP) e ao Tribunal de Contas da União, a Deicmar diz que os principais clientes do terminal de veículos - a Anfavea e os armadores - não foram ouvidos pela Estruturadora Brasileira de Projetos (EBP), que realizou os estudos para as minutas dos editais. A EBP confirmou. "Não falamos ainda com a Anfavea, pois eles já divulgam amplamente os dados detalhados sobre produção e importação de veículos". Mas, segundo a EBP, a importância da área para a cadeia automobilística "está refletida nos estudos e o edital colocado em consulta pública apresenta mecanismos de assegurar o atendimento ao setor".
Em entrevista ao Valor em junho, a Anfavea disse que Santos já é o porto de maior participação tanto em importação quanto em exportação para a indústria automobilística e que a perspectiva é que essa fatia aumente. "Considerando que temos uma meta de exportar 1 milhão de veículos até 2017, naturalmente essa participação tende a aumentar", afirmou Luiz Moan, presidente da entidade.
Também o prazo de dez anos do contrato é considerado baixo e alvo de crítica. A ideia do governo é compatibilizá-lo com o fim da primeira etapa do contrato do Ecoporto Santos, terminal da EcoRodovias especializado em contêineres que fica no Saboó, e aí decidir se fará uma nova licitação. Um dos mais interessados nessa futura licitação é o Ecoporto Santos, já que teria a chance de, vencendo a concorrência, agregar uma área contínua a seu terminal, conseguindo aumentar a produtividade na beira do cais. Por meio de nota, o Ecoporto Santos disse que os prazos estipulados nas minutas dos editais "são uma decisão do poder concedente".
"O porto já terá uma superoferta para contêiner, enquanto as cargas rolantes têm uma demanda não atendida", diz Foratto. Hoje, a movimentação de contêineres em Santos já está batendo a capacidade instalada, que é de 3,1 milhões de Teus (contêineres de 20 pés). O plano de expansão da Companhia Docas do Estado de São Paulo (Codesp) mostra que em 2014 a oferta para movimentação de contêineres será de 8,8 milhões de Teus ante uma demanda prevista de 4,2 milhões de Teus: folga de mais de 4 milhões de Teus.
A SEP foi procurada para comentar, mas não retornou até o fechamento desta edição.
Fonte: Valor Econômico/Fernanda Pires | Para o Valor, de Santos
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