Lei dos Portos oferece condições para avanço logístico, mas investidores pedem segurança jurídica ao governo - A corrente de comércio do Brasil cresceu 332,8% de 2002 a 2012, para US$ 465,7 bilhões, sendo que a exportação e importação de 96% das mercadorias passaram pelo transporte marítimo, segundo informações do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC) e da Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq). A infraestrutura portuária nacional, no entanto, não acompanhou com a mesma velocidade a demanda e enfrenta hoje diversos gargalos que atravancam o crescimento da balança comercial já no futuro próximo, como foi possível perceber no início deste ano, quando caminhões que transportavam soja do Centro-Oeste voltaram a formar filas quilométricas para descarregar no porto de Santos. Investimentos públicos e privados foram realizados nos últimos anos nas áreas mais diversas, como em dragagem, mas para evitar a paralisação do crescimento da economia brasileira, muito mais ainda tem que ser feito.
— Tirando o terminal portuário de contêineres em Itapoã (SC), que entrou em operação recentemente, pouca coisa mudou nesses últimos dez anos. Entre 2009 e 2011, muito se falou sobre o 'apagão portuário', que só não chegou a acontecer graças aos investimentos privados. Mas, para ver o atual nível de ineficiência e sobrecarga dos nossos portos, basta ver que em cada safra agrícola enormes filas de navios se formam”, diz Carlos Alvares da Silva Campos Neto, pesquisador de Infraestrutura Econômica do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).
O Relatório de Competitividade Global de 2013-2014, divulgado em setembro pelo Fórum Econômico Internacional (WEF, na sigla em inglês), aponta que o Brasil ainda tem muito o que fazer na área. O país se encontra na 135ª posição no ranking de qualidade da infraestrutura portuária entre 144 nações pesquisadas. A infraestrutura geral brasileira (que inclui os portos, rodovias, ferrovias, etc.) é o segundo maior entrave para se fazer negócios no país, ficando atrás apenas da regulamentação fiscal e à frente dos impostos, da burocracia, das leis trabalhistas, da falta de mão de obra qualificada e corrupção. Uma infraestrutura melhor reduz os custos logísticos e permite ao exportador praticar preços mais baixos no mercado internacional e à empresa importadora adquirir maior volume de bens de capital, viabilizando a modernização tecnológica do parque industrial.
Nos últimos anos, segundo a Confederação Nacional do Transporte (CNT), as exportações de bens e serviços contribuíram, em média, com aproximadamente 20% do crescimento do PIB brasileiro. A entidade informa que enquanto o custo médio de movimentação de um contêiner no Brasil chega a US$ 200, o valor médio nos principais portos europeus (como Roterdã, Hamburgo e Antuérpia) é de US$ 110, e de US$ 75 nos asiáticos. Para o pesquisador do Ipea, as constantes mudanças nos marcos regulatórios que regem o setor no país atrapalham os investimentos na área.
Como mostra o documento Pesquisa do Transporte Marítimo, divulgada pela CNT em novembro do ano passado, desde a assinatura de Abertura dos Portos por D. João VI, em 1808, o Brasil vem lutando por um sistema portuário eficiente. Em 1869, com a Lei das Concessões, foi permitida à iniciativa privada a participação no financiamento de obras portuárias. Na década de 1930, o governo federal assumiu a responsabilidade pelos investimentos no setor através do Departamento Nacional de Portos e Navegação (DNPN), criado em 1934 e transformado dois anos depois na autarquia Departamento Nacional de Portos e Vias Navegáveis (DNPVN). Em 1975, o DNPVN deu lugar à Empresa de Portos do Brasil (Portobrás) que diretamente — e também através das subsidiárias Companhias Docas — era a responsável direta pela exploração e administração econômica dos portos.
Com a extinção da Portobrás em 1990, o sistema portuário passou a ser administrado somente pelas Companhias Docas. Em 1993, foi promulgada a lei n.º 8.630, também conhecida como Lei de Modernização dos Portos, que visava tornar o setor competitivo em um cenário marcado pela intensificação da globalização. Para aperfeiçoar a gestão portuária, foram criadas a Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq) em 2001, e a Secretaria Especial de Portos (SEP) em 2007. Em junho deste ano, a presidenta Dilma Rousseff promulgou a lei nº 12.815, a chamada nova Lei dos Portos.
Para o diretor executivo da CNT, Bruno Batista, um ponto positivo da nova Lei dos Portos é a permissão de construção de portos pela iniciativa privada. “Os empresários brasileiros se deparam hoje com sérios gargalos na hora de exportar. Não existem outras opções de escoar grande volume de produtos. Hoje, o fluxo cambial está negativo. Por isso, a gente precisa ser ágil e reduzir os custos operacionais dos terminais portuários do país”, afirma Batista. Na avaliação dele, a lei nº 12.815 atende na medida os anseios dos empresários e dos trabalhadores do setor. “A versão final da lei está em bom termo para quem já atua e quem quer entrar na área”, acredita.
O país conta com 34 portos públicos. O número de Terminais de Uso Privativo (TUP) é muito maior: 130. Como no caso dos terminais públicos, desse total, 53% (70 unidades) se encontram nos estados do Sul e do Sudeste. O restante está nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste. Em 2011, os granéis sólidos representaram 82,6% do total movimentado pelos portos brasileiros, já a carga geral representou 11,8% e os granéis líquidos, 5,6%. Os dados confirmam a posição do Brasil no comércio mundial como exportador de commodities agrícolas e minerais.
De acordo com o relatório da CNT, de 2006 a 2011 a movimentação de cargas por navegação de longo curso (entre portos brasileiros e estrangeiros) cresceu 30,8% para 658,1 milhões de toneladas. O principal item exportado foi o minério de ferro, seguido por contêineres, soja e açúcar. Segundo dados do Anuário Estatístico Aquaviário da Antaq, foram movimentados em 2011 – no longo curso e na cabotagem (entre portos brasileiros) – 851,6 milhões de toneladas de mercadorias. O volume é 99,7% superior ao registrado em 1998, o que evidencia o crescimento da demanda por serviços portuários nos últimos 14 anos.
Além das constantes mudanças nas leis que regem o setor, a CNT aponta também que a ineficiência dos portos brasileiros se deve à falta de investimentos públicos e privados suficientes. Mas esse quadro vem passando por algumas alterações nos últimos anos.
Segundo o documento da CNT, os aportes federais em transporte marítimo pularam de R$ 103,3 milhões em 2002 para R$ 738,7 milhões em 2010 (auge das aplicações no setor), crescimento de 615,1%. De 2010 ao ano passado, no entanto, os aportes no setor caíram 63% para R$ 273,2 milhões. A pesquisa aponta que em 2012, foram investidos R$ 508,6 milhões em obras de dragagem, através do Plano Nacional de Dragagem, contra os R$ 99,6 milhões registrados até outubro de 2011. Ao todo, os investimentos do governo federal somaram R$ 3,1 bilhões nos últimos 10 anos.
“O Plano Nacional de Dragagem significou um avanço enorme nos portos brasileiros em comparação ao que era cinco anos atrás. Esse é um programa que é muito cobrado pelos usuários dos portos nacionais e tem que ser permanente, pois o assoreamento do leito do mar é constante”, frisa Batista.
O sétimo balanço do Programa de Aceleração do Crescimento 2 (PAC 2), que engloba a evolução de obras públicas nos quatro primeiros meses do ano, detalha a evolução de alguns investimentos no modal de transporte portuário – como a avenida Perimetral Margem Esquerda em Santos, que quer ampliar o acesso ao porto da cidade litorânea paulista, e a recuperação e ampliação do cais do porto de Vitória, no Espírito Santo, dentre outras obras. “Apesar dos avanços, as obras do PAC caminham a passos mais lentos do que o necessário. Não se pode gastar tanto tempo para solucionar alguns gargalos históricos”, diz o diretor da entidade.
Batista critica ainda programas que prometiam resolver gargalos burocráticos, como o Porto Sem Papel (PSP), que, segundo o diretor, não foi efetivamente implantado em diversos portos do país. “Além dos atrasos na implantação (que devia ter sido concluída em maio deste ano), o Porto Sem Papel funciona, em alguns casos, junto com o sistema antigo. Ou seja, há casos em que o trabalho de liberação de mercadorias é feito duas vezes”, relata.
Carlos Alvares faz coro com Bruno Batista e diz que os investimentos feitos na área portuária precisam ser mais eficazes para que atinjam os efeitos desejados no tempo necessário. Em levantamento baseado em dados do Orçamento Fiscal, das Companhias Docas e da Infraero, Alvares aponta que, apesar de o governo federal ter liberado o dinheiro para as obras, pouco foi efetivamente gasto para melhorar o transporte portuário. De 2003 a 2012, apenas 39,3% dos investimentos autorizados foram realizados, valor menor diante dos 66,8% do modal rodoviário, dos 59,8% do modal ferroviário e dos 53,8% do setor aéreo.
Além dos ajustes frequentes nos marcos regulatórios, o pesquisador do Ipea aponta cinco outras causas principais para a dificuldade em solucionar a maior parte dos gargalos do setor: legislação complexa, projetos e contratos mal elaborados, que elevam os custos das obras, interveniência do Tribunal de Contas da União (TCU), licenças ambientais e dificuldades nas desapropriações.
Ele chama atenção também para os novos portos privados, cuja criação ganhou impulso com a nova Lei dos Portos e que ainda precisarão de obras públicas, como acesso rodoviário e ferroviário. “E os investimentos públicos costumam ser morosos. Como exemplo, cito o aeroporto de São Gonçalo do Amarante, a 40 quilômetros de Natal (RN). O aeroporto, o primeiro a ser concedido à iniciativa
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